O novo coronavírus ganha força na maior parte do mundo, mas há um lugar onde ele aparentemente está sendo contido com sucesso: Cingapura. A nação asiática adotou medidas drásticas e viu os números de surtos permanecerem relativamente baixos. O feito é admirável, considerando que a cidade tem proximidade e associação com a China, onde a Covid-19 se originou.
Recentemente, porém, Cingapura tem enfrentado a “segunda onda” da Covid-19, com o número de casos dobrando em uma semana. O mundo acompanha essa situação ansioso para saber se, mais uma vez, a cidade-estado será feliz em sua reposta ao coronavírus.
Início do surto
Um dos principais parceiros comerciais da China, Cingapura foi atingida no começo do surto da doença. Poucas semanas após o primeiro aviso oficial da Covid-19 em Wuhan, a cidade-estado já registrava mais de dez casos. O diferencial foi perceber rapidamente que a doença era mais do que uma gripe e tomar medidas rápidas.
No final de janeiro, Cingapura tomou a decisão econômica de restringir a entrada de pessoas vindas da China continental, instalou medidas drásticas de rastreamento e ordenou quarentenas estritas de qualquer pessoa com suspeita de coronavírus.
“As equipes de rastreamento de contatos estão trabalhando dia e noite rastreando os passos de quem contraiu o novo coronavírus”, disse um porta-voz do Ministério da Saúde de Cingapura.
Combinação de fatores
Para que isso fosse possível, a coleta de dados foi rápida. Os dados de rastreamento disponíveis online estabeleceram que a grande maioria eram casos locais, o que permitiu às autoridades identificar portadores do vírus e solicitar quarentenas. Foram testadas mais de 1,3 mil pessoas e o Ministério da Saúde impôs quarentenas de duas semanas a 2,9 mil contatos próximos de pacientes infectados.
A ação foi possível graças a uma combinação única de fatores: um sistema de saúde de primeira linha, medidas draconianas de rastreamento e contenção e uma população pequena que aceita amplamente as ordens do governo. Para quem não aceita, são aplicadas punições que, no caso do rastreamento de contatos do coronavírus, podem incluir seis meses de prisão ou milhares de dólares em multas.
“Parece haver mais disposição para colocar as necessidades da comunidade e da sociedade sobre a liberdade individual e isso ajuda em uma crise de saúde pública”, disse Kent Sepkowitz, especialista em controle de doenças infecciosas no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York.
Lições
O surto da SARS em 2003 ensinou Cingapura por onde começar: o governo passou a rastrear minuciosamente os casos para encontrar pontos em comum. Até dois dias depois de um novo caso ser detectado, as autoridades conseguiam rastrear a cadeia de transmissão de uma pessoa para outra através de um banco de dados.
A experiência do país com o surto de SARS, que registrou 33 mortes em Cingapura, e o H1N1 em 2009 e 2010, quando cerca de 400 mil pessoas foram infectadas, deixou a cidade-estado precavida para a nova epidemia. Entre essas precauções, cite-se instalações governamentais prontas para quarentena e um centro nacional de 330 leitos para o gerenciamento de doenças infecciosas, inaugurado no ano passado.
Modelo?
Poucos outros países podem recriar as circunstâncias de Cingapura. É uma nação pequena e rica, sem área rural ou falta de assistência médica. É governada por um único partido político durante seus quase 55 anos de independência, e os meios de comunicação locais transmitem as mensagens do governo sem questionar, incluindo as medidas de proteção contra o coronavírus, desde lavar as mãos até ficar em casa.
Cingapura possui uma população de cerca de 5 milhões de pessoas. Isso contribuiu para a implementação de uma abordagem direcionada e agressiva no combate à Covid-19 – modelo que pode não ser reproduzido no Brasil, Estados Unidos, Itália e em outros países ocidentais, principalmente quando há uma cultura de maior valorização das liberdades individuais.
Uma historicamente “vigilância epidemiológica muito forte e capacidade de rastreamento de contatos” em Cingapura levou a uma alta taxa de detecção inicial, de acordo com um estudo da Universidade de Harvard.”
O sucesso da abordagem também está no modelo de fundação da cidade-estado. Lee Kuan Yew, o primeiro-ministro fundador de Cingapura, era um estadista visionário e tecnocrata. Reverenciado no país como fundador, líder, revelador da verdade e símbolo da nação, Kuan Yew criou o manual para a Cingapura moderna, incluindo valores como compromisso com a transparência, crença no poder da razão sobre a superstição e um amor à higiene. Tal combinação foi a força motriz para criar a resposta de Cingapura ao coronavírus.
Outras medidas
Mesmo com seu número relativamente pequeno de casos de coronavírus, as autoridades de Cingapura continuam a identificar os pontos mais frágeis na sociedade. Recentemente, o governo do país censurou seus cidadãos por comportamento socialmente irresponsável após observar que pessoas idosas, que estão em maior risco, ainda estavam se expondo à ameaça do vírus por meio de hobbies como aulas de dança e canto. Como resposta, o governo introduziu medidas de distanciamento social para que os idosos reduzissem ainda mais a transmissão.
Em outra iniciativa, antes do surto, o governo trabalhou em colaboração com o setor privado e organizações comunitárias para implementar medidas de triagem em eventos.
“Este é o espírito de Cingapura no trabalho: governo, setor privado e o povo trabalhando todos juntos, e acredito que esse é o espírito que nos permitirá superar tudo isso, juntos”, disse o Ministro do Desenvolvimento Nacional, Lawrence Wong.
Testes rápidos
Não é simplesmente a capacidade de detectar os casos e explicar por que eles aconteceram que fazem de Cingapura um modelo para essa epidemia. O desenvolvimento rápido de técnicas de contenção foi um fator crucial: kits de teste de ácido nucleico foram rapidamente desenvolvidos e implantados nos portos de entrada na cidade-estado. Em três horas, enquanto os indivíduos estavam em quarentena no local, as autoridades podem confirmar se estavam ou não infectados com o vírus antes de permitir sua entrada.
Agora, o país está usando um novo teste sorológico desenvolvido pela Duke-NUS Medical School que pode estabelecer vínculos entre casos infectados, o que permite às autoridades mapear a cadeia de transmissão e, portanto, tentar quebrá-la.
O exemplo de Cingapura mostra que intervenções agressivas e no momento certo são essenciais para combater o vírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que Cingapura acertou ao adotar uma abordagem agressiva para lidar com a pandemia. O diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, destaca que a transmissão doméstica pode ser evitada “se os países detectarem, tratarem, testarem, isolarem, rastrearem e mobilizarem seu povo no combate”.
Segunda onda
Apesar do sucesso inicial, Cingapura agora está enfrentando um aumento do número de casos de Covid-19. Em uma semana as infecções mais que dobraram, passando de 266 para 558. Na segunda-feira (23), houve um recorde de novos casos em um único dia: 54, dos quais 48 são pessoas que já chegaram à cidade-estado contaminados com o novo coronavírus. Trata-se da “segunda onda” da Covid-19, que começou a atingir países asiáticos onde a propagação comunitária do vírus havia sido dada como controlada.
Essa explosão de novos casos está fazendo com que o governo de Cingapura reforce as restrições impostas a estrangeiros e nacionais que chegam à cidade vindos de outros cantos do mundo, já que a maioria dos novos casos é importada de países que agora vivem surtos de coronavírus. As autoridades estão implorando para que os habitantes adiem viagens desnecessárias e, na semana passada, proibiram a entrada de turistas.
A tecnologia continua sendo amplamente utilizada para monitorar pacientes e garantir que os viajantes que chegam ao país cumpram o período de quarentena. De acordo com o jornal Strait Times, um casal chinês foi acusado, no mês passado, por fornecer informações falsas e obstruir o rastreamento de contatos com coronavírus. A multa para quem desobedecer as ordens de restrição pode chegar a US$ 10.000 e detenção por até seis meses.
As lideranças locais temem que o sistema de saúde fique sobrecarregado se os estrangeiros desencadearem a transmissão comunitária na cidade-estado. As duas primeiras mortes por Covid-19 em Cingapura foram registradas neste sábado (21): uma mulher local de 75 anos com problemas cardíacos pré-existentes que estava internada desde 23 de fevereiro, considerada a paciente 90 de Cingapura; e um indonésio de 64 anos, também com histórico de doença cardíaca, que foi internado em 13 março, mesmo dia em que chegou à Cingapura – o paciente 212. Contudo, o número de pacientes com Covid-19 que necessitam de tratamento intensivo, felizmente, ainda é baixo – na segunda-feira, 15 estavam internados em UTIs.
Até agora, a vida comercial de Cingapura continua pulsando. Bares, academias, comércios, restaurantes permanecem abertos, respeitando as orientações de um metro de distanciamento entre as pessoas. Estudantes voltaram às aulas nesta segunda-feira, após uma semana de feriado.
Um morador de Cingapura chamado Lee disse ao South China Morning Post que, até este momento, ele acredita que as medidas adotadas pelo governo são suficientes. “Acho que a vida deve continuar o mais normal possível nesta situação”. Enquanto isso, o resto do mundo continuará prestando atenção em Cingapura para saber se a nação, mais uma vez, terá sucesso em controlar a epidemia.
Fonte: Gazeta do Povo.
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