Causada pela bactéria Salmonella enterica typhi, a febre tifoide ou febre entérica é transmitida ao homem por água e alimentos contaminados pelos bacilos da doença presentes nas fezes e na urina dos portadores ativos ou pelo contato direto com esses fluídos (mão-boca). Essa enfermidade é considerada endêmica (típica de uma região) nos locais em que as condições sanitárias e de higiene pessoal ou comunitária são precárias ou inexistem.
Como os microrganismos podem se multiplicar no interior das células de defesa, a infecção se dissemina por todo o sistema. O período entre a exposição e o início da manifestação dos sintomas pode variar de 3 dias a 60 dias, mas geralmente fica entre 7 dias e 14 dias. Nesse período infeccioso, a pessoa pode não adoecer nem apresentar sinais clínicos e ainda assim continuar eliminando os bactéria pelas fezes e pela urina.
Cerca de 2% a 5% das pessoas, mesmo após serem tratadas, acabam se tornando portadoras crônicas da doença, o que acaba sendo mais comum em menores de 5 anos de idade, mulheres com patologias biliares e idosos. Quem enquadra o grupo crônico pode carregar a bactéria por mais de 1 ano, sendo grandes transmissores da doença.
Apesar de ter sido descrita pela primeira vez em 1880, a doença data de muito antes disso, inclusive sendo a responsável pela morte da princesa Leopoldina, em 1871. Em 1907, Mary Mallon se tornou a primeira proliferadora — e talvez tenha sido julgada por mais do que isso.
Os primeiros passos de Mary
Filha de John e Catherine Igo Mallon, Mary Mallon nasceu em 23 de setembro de 1869 em um pequeno vilarejo de Cookstown, na Irlanda. Apesar de ter se tornado uma espécie de paciente zero de sua condição clínica, pouco se sabe sobre a infância e a adolescência dela. A vida adulta, no entanto, foi documentada através dos lugares por onde ela passou e das pessoas com quem conversou e que ficaram para trás para contar mais sobre a sua história.
Mallon imigrou para a América em meados de 1883, quando tinha cerca de 15 anos de idade, e passou a viver com um casal de tios. A mudança se deu porque os pais almejavam um futuro melhor para ela, o que não era nada diferente do desejo de tantos outros que alimentavam o já famoso “sonho americano”. Seguindo a tradição linear da maioria das imigrantes irlandesas, Mallon conseguiu um trabalho como empregada doméstica. Logo acabou mudando de cargo e passou a atuar como cozinheira, recebendo melhor do que qualquer outro serviço doméstico da época e exercendo tudo o que havia aprendido com a mãe durante a infância na Irlanda.
Entre 1900 e 1907, morando na cidade de Nova York, Mallon trabalhou para mais de sete famílias. Logo no início da atividade, prestou serviços em Mamaroneck, Westchester, e em menos de 2 semanas toda a família desenvolveu febre tifoide, que na época estava começando a atingir mais um pico de infecção. Em 1901, já em outro emprego, os residentes tiveram febre e diarreia, e em poucas semanas a lavadeira da casa morreu depois de ter passado um longo período doente. Na casa seguinte, de um advogado endinheirado de Manhattan, sete das oito pessoas da casa ficaram doentes. E então a moça migrou mais uma vez.
No verão de 1906, um banqueiro chamado Charles Henry Warren planejou uma viagem de férias com a família e alugou a casa de George Thompson, em Oyster Bay, Long Island. O homem contatou a já conhecida Mary Mallon para ser a cozinheira de verão deles. Em 27 de agosto, uma das filhas de Warren adoeceu com os sintomas expressos da febre tifoide; em seguida foram a esposa, duas criadas, o jardineiro e mais uma filha do casal.
Mary Mallon, no entanto, permanecia forte e saudável.
Investigando Mary
Como os donos da casa tinham conhecimento de que a febre tifoide normalmente era transmitida por água ou alimentos contaminados, os Thompsons, temendo que não pudessem alugar mais o imóvel, decidiram ir atrás de investigadores para que rastreassem a fonte do surto. Eles encontraram George Soper, que não era detetive, mas engenheiro e especialista em saneamento, com vasta experiência em surtos de febre tifoide. Uma vez que ele tinha o conhecimento de que uma pessoa poderia servir como transportadora da bactéria, logo voltou a atenção para Mallon, que tinha chegado 3 semanas antes de a primeira pessoa ficar doente.
Soper mapeou a vida da cozinheira desde 1900, quando ela começou a trabalhar, e descobriu que 22 pessoas ficaram doentes e morreram no caminho que ela percorreu de casa em casa. Para confirmar as suspeitas, o detetive precisava de amostras de fezes e urina da mulher para provar cientificamente que ela era a fonte dos problemas.
Em março de 1907, Soper encontrou Mallon trabalhando na casa de Walter Bowen e teve uma conversa com ela acerca das suas suspeitas. Ela não reagiu bem ao tom intimidar do homem e acabou o atacando com um garfo. Soper escapou por pouco, mas seguiu a mulher até a casa dela, sendo insultado e ameaçado mais uma vez, já que ela se recusava a ouvir qualquer explicação, afinal os anos na América tinham lhe mostrado como as mulheres como ela eram tratadas, então não podia baixar a guarda.
Soper entregou a pesquisa e as hipóteses a Herman Biggs, do Departamento de Saúde de Nova York. Unindo forças com o médico e a polícia, ele foi atrás Mallon onde ela trabalhava e a seguiu pela vizinhança quando ela conseguiu escapar por cima de uma cerca, temendo a abordagem. Depois de 5 horas de buscas, eles a contiveram e a levaram à força para que fosse hospitalizada.
O isolamento de Mallon
Levada para uma clínica localizada em North Brother Island, Mallon passou os primeiros 2 anos de quarentena tendo fezes, urina e fluídos corporais colhidos toda semana. Das 160 amostras, 120 testaram positivo para febre tifoide, embora a mulher não manifestasse nenhum sintoma.
Convicta de que estava totalmente saudável e de que o governo estava a mantendo ali ilegalmente, depois de 2 anos de sofrimento e solidão, Mallon processou o Departamento de Saúde. Por quase 1 ano antes do julgamento, ela também enviou amostras para um laboratório particular, e todas apresentaram resultado negativo para a doença. Sendo assim, não restou dúvidas de que ela estava presa injustamente.
Mallon declarou que jamais tinha manifestado sintomas ou sofrido com a doença. Como ela não entendia nada sobre a febre tifoide, não tinha como saber que as pessoas podiam ter um caso tão fraco que só experimentariam sintomas semelhantes aos de uma gripe. Com isso, ela poderia ter tido a febre sem nunca saber.
O juiz decidiu a favor do Departamento de Saúde, e Mary Mallon viu a própria vida ser entregue novamente em custódia do órgão do governo. Nacionalmente apelidada pela mídia como Mary Tifoide, ela foi forçada a voltar para a sua cabana isolada no complexo médico, onde viveu mais 2 anos.
276 meses
Em 19 de fevereiro de 1910, uma comissária de saúde decidiu que Mallon poderia ter a liberdade de volta se concordasse em nunca mais trabalhar como cozinheira, uma vez que os seus fluídos poderiam se misturar com a comida. Ela aceitou as condições, inclusive com a missão de reportar as suas atividades e os seus métodos de higiene como precaução para que não infectasse mais ninguém.
Em virtude de uma realidade difícil, em que os serviços domésticos não pagavam o suficiente para que ela pudesse sobreviver, a mulher acabou não cumprindo com o combinado. Sentindo-se perfeitamente saudável e sem oportunidades, Mallon voltou a trabalhar como cozinheira sob o pseudônimo de Sra. Brown, já que o seu nome tinha sido manchado pela mídia.
Em janeiro de 1915, a maternidade Sloane, em Manhattan, sofreu com um surto de febre tifoide: 25 pessoas adoeceram e 2 morreram. Não foi difícil chegar à cozinheira recém-contratada, Mary Mallon, com um nome falso. A comoção do público que uma vez se opôs ao encarceramento forçado de Mallon desapareceu assim que foi descoberta a sua conduta imprudente e, aos olhos de todos, assassina.
Desprezada pela sociedade e declarada uma ameaça viva da época, Mary Mallon foi banida de volta para North Brother Island na mesma cabana velha. Ela passou a ajudar no hospital de tuberculosos e depois no laboratório do local. Em dezembro de 1932, sofreu um derrame que a deixou paralisada e causou a sua transferência para uma cama na ala infantil da ilha.
Em 11 de novembro de 1938, após 23 anos de quarentena, Mallon morreu sob os mesmos olhares de censura de uma América que na época não só a condenou por ela acreditar no próprio estado de saúde mas também por ser mulher, imigrante, empregada e pobre.
Fonte: Mega Curioso
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