Um consenso sobre a hereditariedade é que todas as informações passadas de uma geração para a seguinte são armazenadas no DNA de um organismo. Mas uma nova pesquisa conduzida pelo biólogo Antony Jose, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, sugere que nem sempre isso é verdade.
Em dois novos artigos publicados na última quarta-feira (22), nos periódicos Journal of the Royal Society Interface e BioEssays, Jose argumenta que o DNA é como se fosse a “lista de ingredientes” necessária para manter o organismo vivo. Enquanto isso, o “modo de fazer” (ou seja, a execução dessas instruções) é contado nas moléculas que regulam o DNA de cada célula.
O argumento de Jose é que, ao focar no DNA, os cientistas estão negligenciando outros aspectos importantes no estudo e tratamento de doenças hereditárias. Além disso, ele acredita que as crenças atuais sobre a evolução talvez se concentrem demais na função do material genético.
“O DNA não pode ser visto como o ‘plano’ da vida”, afirmou o especialista, em comunicado. “É, na melhor das hipóteses, uma lista de ingredientes sobrepostos e potencialmente embaralhados que é usada de maneira diferente por células diferentes em momentos diferentes.”
Por exemplo, o gene para a cor dos olhos existe em todas as células do corpo, mas o processo que produz a proteína que resulta na coloração ocorre apenas durante um estágio específico de desenvolvimento e apenas nas células que constituem a parte colorida dos olhos — e essa informação não é armazenada no DNA. Além disso, o material genético não é responsável por ditar os aspectos dos olhos dos animais — isso é determinado por algo que está fora do DNA.
Uma nova teoria
Tendo isso em vista, Jose argumenta que esses aspectos do desenvolvimento, que permitem que um óvulo fertilizado cresça a partir de uma única célula e se torne um organismo complexo, devem ser vistos como parte integrante da hereditariedade. Para o especialista, a hereditariedade funciona como um sistema complexo de informações em rede, no qual todas as moléculas reguladoras que ajudam a célula a funcionar podem armazenar informações.
Jose propõe que as instruções não codificadas no DNA estejam no arranjo das moléculas presentes dentro das células e na forma como elas interagem umas com as outras — e esses aspectos são transmitidos aos nossos descendentes. O pesquisador defende que a herança é resultado de três componentes: as entidades, os sensores e as propriedades.
As entidades incluem o genoma e todas as outras moléculas dentro de uma célula que são necessárias para compor um organismo. Elas podem mudar com o tempo, mas são recriadas com sua estrutura original, arranjo e interações no início de cada geração. “Esse aspecto da hereditariedade, de que o arranjo das moléculas é semelhante ao longo das gerações [passadas], é profundamente subestimado e leva a todo tipo de mal-entendido sobre como a hereditariedade funciona”, defende Jose.
Já os sensores são entidades específicas que interagem e respondem a outras entidades ou ao seu ambiente. Eles respondem a certas propriedades (o terceiro fator citado por Jose), como ao arranjo de uma molécula, sua concentração na célula ou sua proximidade com outra substância.
Juntas, as entidades, os sensores e as propriedades permitem que um organismo vivo “sinta” ou “saiba” coisas sobre si mesmo e seu ambiente. Dessa forma, parte desse conhecimento é usado junto com o genoma para construir um organismo.
“Essa estrutura é construída com base em anos de pesquisa experimental em muitos laboratórios, incluindo os nossos sobre epigenética e silenciamento genético multigeracional, combinados com nosso crescente interesse em biologia teórica”, conta Jose. “Dado que duas pessoas que contraem a mesma doença não apresentam necessariamente os mesmos sintomas, precisamos realmente entender todos os lugares em que essas duas pessoas podem ser diferentes — não apenas seus genomas.”
Na evolução, a estrutura de Jose sugere que os organismos poderiam se desenvolver através de mudanças no arranjo de moléculas e sem alterações na sequência de DNA, e esses fatores precisam ser estudados. Já na ciência da conservação, o trabalho sugere que as tentativas de preservar espécies ameaçadas apenas através de bancos de DNA estão perdendo informações críticas armazenadas em moléculas que não estão presentes no material genético.
Jose reconhece que haverá muito debate sobre essas ideias e mais estudos são necessários para comprová-las, ainda assim, os feedbacks da comunidade científica têm sido positivos até agora. “A generalização da memória e a codificação de Antony Jose por meio da estrutura entidade-sensor-propriedade lança novas ideias sobre evolução e complexidade biológica e sugere importantes revisões dos paradigmas existentes em genética, epigenética e desenvolvimento”, disse Michael Levin, biólogo da Universidade Tufts, em comunicado.
Fonte: Revista Galileu
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