A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou recentemente uma nota técnica para orientar pesquisadores e médicos sobre o uso de plasma convalescente como tratamento experimental para Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2).
Esse procedimento consiste na transfusão do plasma de sangue — a parte líquida dele — de um paciente curado para um indivíduo infectado. “Uma pessoa qualquer se recupera de um vírus ao desenvolver anticorpos contra ele”, introduz o hematologista Dante Langhi, presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). “Nessa terapia, o que se faz é retirar o plasma com esses anticorpos e aplicá-lo em quem está doente”, explica
A FDA, órgão governamental que regula os medicamentos nos Estados Unidos, já havia emitido as diretrizes para a utilização dessa técnica em quadros graves no dia 24 de março. Isso aconteceu um dia após o governador de Nova York, Andrew Cuomo, comunicar que o departamento de saúde do estado iria começar a usá-la.
No Brasil, tais pesquisas não necessitam de aprovação da Anvisa para serem conduzidas. Os estudos seguem as regras de outras instituições (Comitês de Ética em Pesquisa, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e Conselho Federal de Medicina).
O que a agência decidiu fazer, devido à urgência em encontrar uma forma de combater a Covid-19, foi criar um documento com orientações para que o plasma convalescente seja utilizado nos testes clínicos com os devidos cuidados e controles.
Afinal, a doação de plasma convalescente funciona?
Não é a primeira vez que a terapia plasmática é usada para conter uma pandemia. Ela apareceu pela primeira vez em 1918, durante a gripe espanhola. Uma revisão de oito estudos realizados na época, com a participação de mais de 1 700 pacientes, revelou uma diminuição significativa da taxa de mortalidade. Só que, por serem análises antigas, elas não seguem os padrões de metodologia científica atuais.
Ainda assim, portadores de outros problemas de saúde mais recentes foram submetidos à técnica. “Ela foi utilizada contra a versão do coronavírus responsável pelo surto de Sars na China, em 2003, o H1N1 e o Ebola”, enumera Dante Langhi.
Uma pesquisa com 80 pessoas em Hong Kong, na China, em 2003, mostrou que portadores da Sars que recebiam a doação de plasma tinham uma chance maior de ter alta em comparação com os não tratados. Outras duas investigações durante surtos do Ebola na República Democrática do Congo e na Guiné, apesar de revelarem benefícios da terapia plasmática, não foram conclusivos por serem pequenos e não-controlados.
Todos esses estudos demonstraram que, embora a estratégia traga benefícios, ela não é 100% eficaz.
Com relação ao Sars-Cov-2, há uma única pesquisa sobre o tratamento à base de plasma convalescente, publicada no respeitado periódico científico JAMA. Os testes foram feitos com cinco pessoas em estado grave na China.
Eles estavam recorrendo a respiradores mecânicos e receberam a transfusão. Os cientistas observaram diminuição da carga viral e da febre. Ao final desse período, três receberam alta e dois permaneceram estáveis. Acontece que o experimento, além de pequeno, não possuía um grupo de voluntários submetido a um tratamento placebo para fazer a comparação
A vantagem do plasma convalescente: ele já está disponível e é relativamente seguro. Sua eficácia, entretanto, permanece uma incógnita.
No entanto, para que haja doação, é necessário ter muita gente curada. Ou seja, fica difícil aplicar isso em larga escala, porque não são tantos os pacientes que já se recuperaram e estão aptos para ceder seu sangue. “A compatibilidade do tipo sanguíneo também é fundamental”, acrescenta o presidente da ABHH.
Não dá para dizer que a terapia plasmática é a luz no fim do túnel. “Mas existem evidências na literatura médica de que ela baixaria a taxa de mortalidade. Não são estudos consolidados, mas têm algum grau de confiança”, conclui Dante Langhi.
Fonte: Saúde Abril.
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