O que é a dieta cetogênica? Você até pode ter ouvido falar nela só mais recentemente, mas esse cardápio — riquíssimo em gorduras e com doses ínfimas de carboidratos — é praticamente centenário. Sua versão clássica foi proposta em 1921 pelo médico americano Russell Wilder (1885-1959), da Clínica Mayo. Mas, na época, o papo não tinha nada a ver com emagrecimento. Buscava-se uma alternativa para auxiliar no controle da epilepsia, doença mais conhecida pelas crises convulsivas.
“Durante séculos, o jejum foi usado como terapia para esse quadro, inclusive por Hipócrates”, relata a nutricionista Terezinha da Rocha Ataide, professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), fazendo referência ao pai da medicina. Só que não dá para manter essa situação por tempo prolongado. “De olho nisso, veio a questão: como recriar o estado propiciado pelo jejum no organismo, mas sem deixar de se alimentar?”, conta a nutricionista Mariana Prudencio, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). Foi aí que o doutor Wilder teve a sacada da cetogênica.
Para entender por que ela é útil, precisamos lembrar que o corpo usa preferencialmente a glicose originária da quebra de carboidratos como combustível para executar suas tarefas. Quando há restrição severa desse nutriente, presente em pães, massas e arroz, a rota para a produção de energia muda. Nessa nova configuração, as gorduras viram o substrato de maior importância — e, no processo, são formados os corpos cetônicos.
Segundo Mariana, essas substâncias, liberadas também no jejum, atuam em neurotransmissores lá no cérebro, amenizando, assim, as crises de epilepsia. Hoje, a dieta é recomendada para aqueles pacientes que não conseguem melhoras com os remédios — as drogas começaram a surgir a partir de 1930.
Mas não é por causa desse uso tradicional e validado pela ciência que a estratégia alimentar alçou fama. A cetogênica atraiu adeptos porque passou a ser encarada como um método eficaz de perda de peso. O raciocínio é simples: se as gorduras se tornam combustível de primeira escolha, tanto aquela que vem do prato como a que está estocada no corpo entram na mira.
“Sem falar que os tais corpos cetônicos agem em uma região do cérebro chamada hipotálamo, aumentando a sensação de saciedade”, aponta Felipe Almeida, nutricionista e criador da ScienceTV, em São Paulo.
A impressão de barriga cheia também é facilitada pela própria constituição do cardápio. “O carboidrato passa rápido do estômago para o intestino. Já a gordura atrasa o esvaziamento gástrico”, ensina o nutricionista e biólogo Geraldo Thedei Jr., professor da Universidade de Uberaba, em Minas Gerais.
Como dieta cetogênica leva à produção dos corpos cetônicos
Restrições no prato: o indivíduo exclui pães, massas, arroz, tubérculos, doces e várias frutas da rotina — ou seja, os alimentos fontes de carboidratos.
Fim do estoque de energia: formado a partir de carboidratos, o glicogênio reservado nos músculos e no fígado para dar gás rápido se esgota em poucas horas.
O corpo precisa de combustível: o glicogênio acaba, mas o organismo continua ávido por uma fonte de energia que permita a manutenção de todas as suas funções.
Vem pra cá, gordura: Com o sumiço dos carboidratos, o corpo, sem escolha, passa a quebrar as gorduras da dieta e aquela armazenada em nosso tecido adiposo.
Os tais corpos cetônicos: essa gordura, em forma agora de ácidos graxos, se manda para o fígado, onde ocorre a transformação em corpos cetônicos.
Viagem pelo corpo: os corpos cetônicos são, então, levados para todos os cantos (cérebro, músculos, rins, coração…), onde servirão de fonte de energia às células.
Gordura por todos os lados
Além do ovo e das carnes de diversos tipos, há outros ingredientes reconhecidos por seu perfil gorduroso — inclusive no reino vegetal. São exemplos de alimentos que são permitidos no cardápio cetogênico:
Abacate
Coco
Castanhas
Manteiga
Leite e derivados
A adesão à dieta cetogênica
Embora ninguém conteste o poder emagrecedor desse padrão gorduroso, há muitos aspectos que preocupam quem entende do riscado. Para ter ideia, todo ano a publicação americana US News & World Report convida um time de renomados especialistas para analisar vários tipos de dieta e montar um ranking.
No de 2020, passaram pelo pente-fino 35 planos alimentares. A cetogênica, veja só, amargou a 34ª colocação, sendo considerada um dos piores cardápios para alguém seguir. O quesito que rendeu mais críticas diz respeito à dificuldade para aderir ao menu pra valer.
Para a nutricionista Helen Miranda Hermsdorff, professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, essa é uma das principais características das dietas da moda. “As pessoas ouvem falar sobre o assunto, colocam em prática e perdem peso rápido, mas não conseguem se manter fiéis por muito tempo”, descreve.
Ocorre que, de acordo com Helen, um emagrecimento realmente satisfatório é aquele baseado em um padrão alimentar possível de ser sustentado por longo prazo — caso contrário, a tendência é reencontrar os quilos perdidos.
Ainda que um indivíduo contrarie as expectativas e consiga permanecer focado nesse esquema por um período razoável, a queda do ponteiro da balança parece não seguir o ritmo observado no início. Em uma extensa revisão publicada recentemente por pesquisadores ligados à Associação Nacional de Lipídios (NLA, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, é informado que, em curto prazo, as dietas com baixo teor de carboidratos (incluindo a cetogênica) até apresentam uma ligeira vantagem em termos de perda de peso em relação a cardápios apoiados na menor ingestão de gorduras ou que permitem mais carboidratos.
“Mas, em aproximadamente 12 meses, não há mais diferenças entre as dietas em relação ao emagrecimento”, revela Carol F. Kirkpatrick, professora da Universidade Estadual de Idaho e uma das autoras do documento.
Ao que tudo indica, existem algumas pegadinhas por trás do começo empolgante. “Nessa fase, elimina-se mais água, e não gordura”, observa Almeida. Só que as pesquisas não diferenciam um emagrecimento real de uma desidratação.
Em um experimento com animais, cientistas da Universidade Yale, nos Estados Unidos, sugerem mais um motivo para o emagrecimento ter prazo de validade curto. Eles informam que, com a queda dos níveis de glicose, o organismo passa a agir como se estivesse em uma situação de fome.
Daí, ao consumir uma grande proporção de comida gordurenta, uma parte do nutriente é armazenada pelo corpo. “Você queima mais gordura, mas acumula mais também”, resume Almeida.
A cientista americana observa ainda que a dieta cetogênica verdadeira não deve ser abastecida de proteínas — afinal, esse nutriente acaba convertido em glicose, o que evita, por sua vez, a formação dos desejados corpos cetônicos. Só que um desajuste aí tem consequências.
“O estudo mostra que, se o conteúdo de proteínas não estiver adequado, cardápios pobres em carboidratos podem levar a uma maior perda de massa magra em comparação com uma dieta balanceada e de baixas calorias”, expõe Carol. Ver o peso cair a esse preço não vale a pena: os músculos auxiliam na própria queima de gorduras e na manutenção da capacidade funcional.
Para fazer as pazes com a balança, a realidade é que ninguém precisa fazer mudanças mirabolantes à mesa, que dependem praticamente da exclusão de grupos alimentares. Na cetogênica, permite-se que o carboidrato represente, no máximo, 10% de todas as calorias que ingerimos em um dia. A nutricionista Helen, da UFV, nota que isso é muito pouco. Afinal, a recomendação oficial vai de 45 a 60%.
Para ela, indivíduos obesos e com outros problemas metabólicos sairiam ganhando se maneirassem nos carboidratos, sim — mas respeitando essa faixa de valor definida como adequada. “Ela atende às necessidades do organismo”, justifica.
Sintomas do aumento de corpos cetônicos no organismo
Como ter a certeza de que a famosa cetose está realmente em marcha? Bem, os sinais costumam ser inconfundíveis. Tanto é que a manifestação deles ganhou o apelido de “keto flu” — o termo, em inglês, pode ser traduzido como gripe cetogênica. Veja o que ela causa:
Dor de cabeça
Fraqueza
Náusea
Aumento da sede
Vômito
Os riscos da dieta cetogênica para a saúde
Dar um chá de sumiço nos carboidratos não parece vantajoso nem para quem tem diabetes e precisa controlar a glicose no sangue. De acordo com Carol, esses indivíduos se beneficiam com uma diminuição na ingestão do nutriente, claro — mas não precisa chegar ao ponto de provocar a tal da cetose. “Até porque a maioria dos participantes dos estudos não consegue manter esse padrão por período prolongado”, comenta.
Agora, tem quem fique com os olhos brilhando — ou melhor, a boca salivando — ao pensar na cetogênica pelo outro lado do cardápio. Ora, enquanto o carboidrato é sacrificado, abrem-se alas para os redutos de gorduras, a exemplo de picanha, frango com pele, ovo, manteiga, banha de porco e até bacon. Pelo menos é o apelo visto por aí.
“A liberação do consumo desses alimentos entre quem quer perder ou manter o peso é tentadora”, analisa Terezinha. Ocorre que eles são ricos em um tipo de gordura que a comunidade científica trata com bastante cautela: a saturada.
Na revisão da NLA, os cientistas avisam que, caso haja um consumo elevado dessa versão, pode ocorrer um aumento acentuado do colesterol ruim, o LDL. Se essa molécula aparece em excesso pela circulação, pode se depositar nos vasos. E, com o tempo, há grande probabilidade de entupir essas estruturas — o pano de fundo para um infarto ou acidente vascular cerebral.
Segundo o pesquisador Kevin C. Maki, professor da Universidade Indiana, nos Estados Unidos, e também autor do documento da NLA, alguns defensores da cetogênica afirmam que a elevação observada é de partículas grandes e flutuantes de LDL, que seriam menos perigosas do que as pequenas e densas. “No entanto, partículas de qualquer tamanho têm se mostrado prejudiciais”, avisa Maki.
A nutricionista Indiomara Baratto, mestre em ciências da saúde pela Universidade Federal de São Paulo, pontua, ainda, que o alto consumo de gorduras proposto pela cetogênica é capaz de sobrecarregar rins, fígado e vesícula biliar. Fora que o organismo corre o risco de padecer com a falta de vitaminas e minerais, já que o prato tende a ficar monótono.
“Se essa dieta for realizada sem os cuidados necessários, provavelmente o indivíduo sofrerá um déficit nutricional”, crava Indiomara. Outros efeitos indesejáveis elencados por Terezinha são: distúrbios gastrointestinais, náuseas, vômitos e elevação das taxas de triglicérides.
Por causa dos eventuais percalços, Mariana, da USP, insiste que uma pessoa instigada pela cetogênica deve, antes de tudo, ir atrás de médico e nutricionista. “O acompanhamento precisa ser muito próximo”, afirma.
Ela lembra que pessoas acima do peso, normalmente as mais atraídas por essas dietas, às vezes já convivem com quadros como hipertensão ou diabetes — e há a possibilidade de o menu bagunçar o controle das doenças.
“Quem tem diabetes tipo 2 pode ter hipoglicemia caso as medicações não sejam ajustadas em decorrência da severa restrição de carboidratos”, exemplifica Maki. A situação é marcada pela queda vertiginosa de açúcar no sangue, levando a sintomas como tontura, confusão mental, taquicardia e desmaio.
A supervisão profissional também assegura uma melhor composição de gorduras na rotina. “O ideal seria priorizar as mono e poli-insaturadas, deixando as saturadas dentro das recomendações”, esclarece Thedei Jr. As gorduras avaliadas como superiores estão em castanhas, abacate, coco, azeite — alimentos que não despertam tanto interesse como o bacon.
“De qualquer maneira, o correto mesmo seria não entrar nessa”, opina o nutricionista. Sua visão é compartilhada por todos os especialistas ouvidos nesta reportagem.
“Para o emagrecimento, defendo a reeducação alimentar. É uma abordagem de resultados mais duradouros e sem riscos de exposição a efeitos adversos”, argumenta Terezinha.
A questão é que as mudanças no corpo levam um tempo maior para aparecer, desapontando muita gente. Mais do que gorduras, talvez precisemos é de paciência.
Os prejuízos de uma dieta lotada de gordura (e sem orientação)
Risco cardíaco: se comer muita gordura saturada, o colesterol ruim e os triglicérides podem subir. Aí fica perigoso para o coração.
Mau hálito: não tem como a cetogênica ser ignorada pelo olfato alheio. Os corpos cetônicas deixam o maior bafo.
Perda de músculo: estudos apontam que essa dieta pode sacrificar a massa magra se não houver adequação na ingestão de proteínas.
Falta de nutrientes: os alimentos banidos reúnem mais do que carboidratos. Também são redutos de vitaminas e minerais.
Hipoglicemia: pode ocorrer entre quem tem diabetes tipo 2 se as medicações estiverem desajustadas. Causa desmaios, palpitação…
Reganho de peso: de tão restritiva, a dieta cetogênica é de difícil manutenção. Só que aí os padrões antigos voltam — e os quilos também.
Pobreza de fibras: elas estão em fontes de carboidratos, justo o que some. Só que têm várias funções, como melhorar o trânsito intestinal.
Fígado gordo: entupir-se de gordura favorece seu acúmulo no fígado, quadro silencioso que pode resultar em cirrose e até câncer.
Fonte: Saúde Abril.
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