“Estamos em pleno processo de reconhecimento da importância da igualdade de gênero dentro da sustentabilidade do planeta”, reflete a jornalista Paulina Chamorro em relação ao que viveu nos últimos meses. Ao lado do fotógrafo João Marcos Rosa, ela mergulhou nas histórias de mulheres que dedicam suas vidas à preservação da biodiversidade brasileira.
Na série de reportagens Mulheres Na Conservação, produzida pela National Geographic Brasil, Chamorro abraça sua paixão pela natureza e despe-se de qualquer receio para viver na pele as rotinas desafiadoras e profundamente emocionantes de cinco cientistas, que comprovam a necessidade da valorização feminina na defesa do meio ambiente. “A ideia original surgiu através da percepção do fotografo João Marcos Rosa em acompanhar alguns projetos em campo. Quando nos juntamos para criar a série, notei que existia um componente de muito destaque. O Brasil está entre os países que têm mais mulheres assinando pesquisas cientificas. Metade da força produtiva que move a ciência no Brasil é liderada por mulheres, de acordo com estudos de gênero da The Global Research Landscape. E estas cientistas representam a força feminina à frente de pesquisas pioneiras de longo prazo, com sucesso de resultados, com envolvimento da comunidade do entorno e com muitos anos de experiencia em campo”, analisa.
A expedição, que começou a ser produzida em agosto do ano passado, teve início no coração do Pantanal sul mato-grossense. A cerca de 300 km de Campo Grande, Patrícia Médici coordena a Iniciativa Nacional para a Conservação Anta Brasileira (Incab), do Instituto de Pesquisas Ecológicas, – maior projeto de pesquisa sobre a espécie.
Valorizando a fauna pantaneira até então pouco estudada, a equipe da pesquisadora colhe amostras e faz observações diárias da espécie para tentar construir uma árvore genealógica. “Aqui somos capazes de coletar algumas pecinhas do quebra-cabeça de informações que jamais conseguiríamos coletar em outro lugar. E é a esperança de que, se todo o resto der errado, aqui temos um porto seguro para esse bicho”, explica Médici em um trecho da reportagem. A brasileira se tornou peça fundamental na formação do que hoje é o maior banco de dados sobre anta do mundo.
Médici é uma verdadeira força da natureza. Dormindo por dias em barracas próximas à área de observação da espécie, a cientista levantava às 03:30h para sessões de yoga. Às 06h da manhã, ela e sua equipe já estão preparados para a patrulha das armadilhas. Chamorro, que acompanhou tudo de perto, nem poderia imaginar a adrenalina que a aguardava. “Foram dias com ela [Médici] revisando 16 armadilhas pelo território de pesquisa. Ver de perto um animal do porte de uma anta, com quase duzentos quilos, é de parar o coração de emoção”, relembra a jornalista.
Dias depois, Chamorro e Rosa voltaram pra estrada. Desta vez, cruzaram 350 km em trilhas de terra rumo ao próximo destino: Aquidauana (MS). Foram conhecer de perto o projeto Arara-azul da bióloga e pesquisadora Neiva Guedes, fundado em 1990. Durante um curso sobre conservação da natureza, a cientista, à época recém-formada, avistou as araras no Pantanal pela primeira vez. Logo depois, descobriu que a espécie estava na iminência da extinção. Desde então, nunca mais se separou delas.
Desenvolvendo técnicas para catalogar animais, comportamentos e instalando ninhos artificiais – um dos principais problemas na reprodução da espécie era a falta de cavidades naturais –, Guedes ajudou a mudar os trágicos rumos da espécie.
Em 30 anos, o número de indivíduos no Pantanal e em outras regiões, como o Cerrado, cresceu mais de 430%. “Neiva nos levou para uma experiência mágica. Enquanto revisava os ninhos de araras-azuis junto à equipe, pudemos ficar bem pertinho de uma bebê arara”, comenta Chamorro.
Do Pantanal ao Atlântico
A expedição ganha novos rostos ao desembarcar em Tamandaré, litoral sul de Pernambuco. Por lá, somos apresentados a Beatrice Padovani. Respeitando a sabedoria popular, a cientista, pioneira no estudo da biologia da conservação, desenvolveu políticas públicas em preservação marinha através de pesquisas e diálogos com pescadores.
Apontando a profunda relação entre preservação e sustento pela pesca, Padovani criou um laço entre comunidade e ciência. “Quando mergulhei pela primeira vez, fiquei maravilhada e decidi que iria estudar alguma coisa sobre a vida no mar. Foi aí que tudo começou. E foi fundamental estabelecer vínculos de confiança na comunidade. Meus filhos estudaram com os filhos deles, envelheceram com eles. Eu faço parte da geração que mergulhou aqui a vida inteira e que lutou para manter e preservar o local”, comenta a cientista em um trecho da reportagem.
De volta à terra firme
De volta à terra firme, a quarta reportagem da série desembarca no Vale do Rio Doce, interior de Minas Gerais. Por lá, a antropóloga e presidente da Sociedade Internacional de Primatologia, a americana Karen Strier, coordena o projeto Muriquis de Caratinga, que estuda a maior espécie de macacos das Américas: o muriqui-do-norte, um dos primatas mais raros do mundo.
Com anos de experiência na bagagem, Strier criou diferentes formas de observação e métodos de pesquisa, como desenho manual da face de cada indivíduo e colheita de fezes para dados genéticos e de fertilidade. “Posso ficar anos e anos os seguindo e ainda não vou conhecer a fisiologia, os hormônios. Então, desenvolvemos pesquisas cujos métodos não exigem contato nenhum com os animais”, afirma Karen em um dos trechos da reportagem.
“Com Karen Strier tivemos outro momento de parar qualquer coração conservacionista: em poucos minutos na mata, fomos rodeados por um grupo de 10 muriquis, os maiores e mais ameaçados macacos das Américas. São animais realmente grandes, chegando a medir mais de um metro, somando sua cauda”, relata Chamorro sobre a emoção de ficar frente a frente com a espécie.
O final da série leva o leitor a uma viagem até o Delta do Parnaíba, entre os estados do Maranhão e do Piauí, para acompanhar o trabalho da médica veterinária, professora e presidente fundadora do Instituto Tamanduá Flávia Miranda.
Chamorro e Rosa acompanharam Flávia em uma expedição do projeto Em Busca do Desconhecido, uma iniciativa que estuda os raros e misteriosos tamanduaís – a espécie é um meio termo entre preguiça e tamanduá, e cabe na palma da mão.
A série desperta no leitor uma busca inquietante pela valorização dos biomas brasileiros e pelo reconhecimento feminino no campo científico. Chamorra crê que o trabalho dessas cinco mulheres pode influenciar futuras gerações de pesquisadoras. “Colocar em evidencia de uma maneira interessante, faz com que outras futuras mulheres da conservação se inspirem e se espelhem na tenacidade destas pesquisadoras”, afirma a jornalista.
Antes do caos
Uma triste coincidência atravessou os caminhos da produção. As visitas a todas as cientistas apresentadas nas reportagens aconteceram em momentos próximos a grandes tragédias ambientais. “Saímos do coração do Pantanal uma semana antes das grandes queimadas que assolaram o bioma em 2019. Em Pernambuco, para a reportagem sobre Beatrice Padovani, chegamos poucos dias depois da segunda oleada que assolou a costa nordestina. Na visita ao Muriquis de Caratinga, na Mata Atlântica de Minas Gerais, saímos do ambiente dias antes das grandes enchentes. E no Delta do Parnaíba chegamos pouco antes da pandemia de coronavírus se espalhar pelo país”, comenta Chamorro.
Com os desastres, a jornalista, que é especialista em meio ambiente, acredita que é o momento de repensarmos nossas atitudes enquanto sociedade visando o bem do planeta. “É justamente neste momento de desafio mundial quando vemos que os limites de resistência ambiental do Planeta foram extrapolados, que inspirar e trazer luz ao trabalho de mulheres que estão há décadas construindo resultados positivos para toda a sociedade e para a biodiversidade é o que devemos ressaltar. É trazer de volta as reconexões com o natural”, conclui.
Fonte: Claudia.
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