Dublador conta segredos e curiosidades da profissão
Para Guilherme Briggs, que já fez a voz de Indiana Jones, dublar é voltar no tempo.
O ator e dublador Guilherme Briggs também faz a voz do personagem Nigel na animação Rio, do diretor brasileiro Carlos Saldanha.
Não basta ter uma boa voz. É preciso, antes de tudo, ser ator profissional. Essa é a primeira regra para se tornar um dublador, profissão que é celebrada nesta quarta-feira (29). E ninguém melhor para falar sobre ela no Brasil do que Guilherme Briggs, que atua na área há 20 anos, e que tem em seu currículo filmes como Transformers, Toy Story eO Príncipe do Egito. Isso sem contar as famosas vozes de Indiana Jones e Han Solo (Star Wars).
Em entrevista ao R7, Briggs, hoje com 40 anos, revela algumas curiosidades dessa profissão que muitas vezes a gente não repara. E esta parece ser a máxima da dublagem: quanto melhor, menos você vai notar que há algum ator ali interpretando determinado personagem em português. Como se a voz de Indiana Jones fosse aquela mesma, não a original de Harrison Ford – esse é o mérito de um bom dublador.
Uma profissão “invisível”, pouca reconhecida e, por isso mesmo, que ainda gera muitas dúvidas por parte do grande público amante de cinema e das séries e dos desenhos de TV. Briggs conta como começar na área, quais são as etapas de um trabalho de dublagem, a diferença entre fazer a voz para uma animação ou para um filme live action, entre outros detalhes.
Leia, abaixo, a entrevista completa com o dublador.
R7 – Como você começou sua carreira no mundo da dublagem? Qual foi seu primeiro contato com a área?
Guilherme Briggs – O grande “culpado” é meu pai, meu mestre. Nós gravávamos historinhas com um velho gravador e vitrolinha para as músicas e efeitos, exercitando a arte da improvisação, da adaptação de texto, dos tipos, e, dessa forma, criar personagens ficou uma coisa natural pra mim. Desde pequeno, conversava com ele sobre a possibilidade de um dia me tornar desenhista e dublador.
R7 – Quais os principais personagens que você já dublou?
Briggs – Meu primeiro personagem em dublagem foi o klingon tenente Worf, de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (apenas no primeiro ano da série) e em animação foi o Eek! The Cat (aquele gatinho roxo gordinho que sempre falava “ajudar não dói!”). Dublei também o Buzz Lightyear (Toy Story), Kronk (A Nova Onda do Imperador), Moisés (O Príncipe do Egito), Grinch (Jim Carrey), Superman (Liga da Justiça), Freakazoid, e os atores Denzel Washington e Brendan Fraser. Isso sem contar Optimus Prime (Transformers), entre outros.
R7 – Como funciona o processo de escolha dos dubladores? Quem os escolhe, o estúdio de dublagem, a distribuidora do filme no país ou o próprio estúdio que produziu o trabalho?
Briggs – Isso é bem variável. Normalmente submetemos ao cliente três testes de voz para os protagonistas e papéis maiores. O diretor de dublagem é o responsável por estudar o personagem, analisar o tipo de voz, de interpretação e decidir quem escalar para os três testes. O estúdio internacional então faz a escolha final de quem dublará cada personagem. Em outros casos, o diretor de dublagem no Brasil pode escolher ele mesmo quem escalar. Geralmente em filmes de cinema e seriados, vários testes de voz são requisitados. Tem casos também que o cliente já envia suas preferências de vozes.
R7 – Há alguma espécie de código de ética da dublagem, que faz com que os dubladores geralmente dublem sempre os mesmos atores?
Briggs – Os estúdios e diretores costumam sempre manter os dubladores nos atores/personagens que tenham feito, para haver uma continuidade. Mas algumas vezes, infelizmente, existem escalações equivocadas feitas por colegas diretores.
A determinação de qual dublador dubla um ator/personagem é muito relativa e subjetiva, não pode ser uma lei fixa: dublou um ator, tem que dublar até a morte de um dos dois. Muitas vezes os nossos clientes, os estúdios internacionais, decidem quem deve fazer o ator, através de testes de voz. Os diretores convocam os dubladores que já fizeram determinado ator e o cliente, dono do filme, escolhe quem deve fazer.
R7 – Qual o procedimento de dublagem dentro do estúdio? Os dubladores têm acesso à obra completa ou apenas às partes que lhe cabem dublar?
Briggs – Os dubladores gravam somente suas sequências. Cabe ao diretor de dublagem contar toda a história, falar sobre os personagens, suas motivações, personalidades, todo o pano de fundo psicológico, artístico ou dramático que está inserido no filme/desenho/série.
R7 – Há alguma diferença prática entre dublar animações e filmes live action?
Briggs – Eu gosto de personagens interessantes, não precisa ter carne e osso ou acetato. Confesso que tenho um carinho todo especial com desenhos animados. O que noto muitas vezes é que com a animação podemos expandir mais os limites físicos e temporais com uma velocidade e facilidade espantosas; e isso é excelente para um ator. Por isso que eu sempre comento que dublar desenhos animados é uma terapia poderosa, me faz voltar a ser criança novamente, buscando coisas do meu inconsciente que nem mesmo eu sabia que existiam. É uma viagem mágica e empolgante.
R7 – Qualquer pessoa pode começar a dublar ou é necessário algum tipo de formação específica para se tornar dublador? Existe algum órgão que regulamenta a profissão?
Briggs – Antes de mais nada, para ser um dublador é necessário ser um ator profissional. Sendo assim, dublagem é mais uma especialização da profissão de ator, pois todo dublador é ator, mas nem todo ator é dublador. Pra se tornar ator profissional você pode fazer teatro amador por vários anos, depois comprovar isso para obter o registro profissional de ator provisório e depois o definitivo. Ou pode ainda fazer um curso profissionalizante de teatro e, depois de concluir o curso, fazer um estágio, montando uma peça profissional. Esse curso tem a duração média de três anos. Obviamente, no curso de teatro você não aprende a dublar. Aprende a interpretar papéis e desenvolve dons e habilidades que provavelmente já existam dentro de você, o seu talento.
R7 – É comum você ser reconhecido nas ruas pela voz? Já aconteceu alguma situação curiosa com relação a isso?
Briggs – Não, geralmente ninguém percebe. Muito raramente perguntam sobre minha voz e até me confundem com outras pessoas ou atores, o que eu acho muito divertido. Já fiz cosplay de Obi-Wan Kenobi (Star Wars) em um evento de anime e alguns fãs chegaram perto de mim e perguntaram quem eu era, que meu rosto e minha voz era muito familiar, e eu respondia: “Claro, eu sou Obi-Wan Kenobi, meus pequenos Padawans”. Que fique claro que eu não dublo o Obi-Wan, só gosto do personagem, tá? (risos)
R7 – Qual sua opinião a respeito das personalidades que não são profissionais da área, mas que, eventualmente, acabam dublando alguns filmes, como o apresentador Luciano Huck, em Enrolados, ou a cantora Claudia Leitte, em Carros 2?
Briggs – Não tenho nada contra atores famosos dublando. Eles são chamados pois acabam divulgando, associando sua imagem ao projeto que estão participando, isso tudo parece ser vantajoso em questão de marketing, para alavancar a bilheteria. O que eu sou rigorosamente contra é quando um ator não faz um trabalho com qualidade, independente de ser “famoso” ou não.
O que eu gostaria na verdade é que qualquer ator fosse escolhido pela sua habilidade, seu talento, jamais por fama e parou por aí. Pois não adianta nada um ator ser famoso se ele executa pessimamente um trabalho, comprometendo todo o resto. Há que se ter bom senso nas escolhas, sempre.
R7 – Como funciona o mercado de dublagem no Brasil? Existe algum tipo de voz específica que falte no mercado, como crianças e idosos, por exemplo?
Briggs – A demanda maior atualmente realmente é para vozes maduras, de idosos e de crianças. Como temos uma “janela” de utilização dos talentos infantis, pois a voz deles vai mudando conforme vão crescendo, sempre precisamos de novos. Sobre ainda os idosos, temos colegas que estão na ativa há muitos anos e que nos enchem de inspiração, como meu mestre Orlando Drummond, que tem 92 anos e continua trabalhando.
Fonte: R7
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