Uma das facetas mais cruéis da pandemia de covid-19 é a atual desigualdade no acesso a vacinas, e isso foi exposto na última semana, quando, mesmo com 30 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca aguardando ainda o fim dos testes clínicos, o governo dos EUA descartou doar o estoque parado para países que sequer começaram suas campanhas de vacinação, simplesmente porque não têm o que aplicar em suas populações.

 

“Somente dez nações administraram 75% de todas as doses fabricadas até o momento; 130 países ainda não receberam nenhuma vacina. O mundo precisa urgentemente de um plano global de imunização que reúna todos os que têm o poder necessário, a experiência científica e as capacidades de produção e financeiras”, disse em meados de fevereiro o o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres.

 

Quando as primeiras vacinas alcançaram os estágios finais dos testes clínicos, países desenvolvidos encomendaram doses acima do necessário para imunizar suas populações (o Canadá pode imunizar cada habitante seis vezes). O excesso de vacinas recebido poderia, em teoria, ser repassado aos países que ainda não têm nenhuma. O problema: isso só deve acontecer em um ou dois anos.

 

Planejamento

 

Hoje, nenhum país tem estoques parados da vacina (com exceção dos EUA). Mesmo assim, já existe um movimento, encabeçado pelo presidente da França, Manuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, para que a partilha das doses compradas pelos chamados países ricos comece a ser planejada.

 

“Seria extremamente benéfico traçar um roteiro para 2021. O planejamento é fundamental”, disse à Science Magazine o infectologista e pesquisador Jeremy Farrar, diretor da entidade de pesquisa biomédica Wellcome Trust.

 

Uma das preocupações da Organização Mundial de Saúde (OMS) foi criar mecanismos que garantissem que todos os habitantes do planeta tivessem acesso à vacina contra a covid-19. Uma delas, a COVAX Facility, tem como objetivo garantir até dois bilhões de doses até o fim de 2021 para países de baixa a média renda.

 

A doação dos excedentes para esse consórcio, porém, “não é tão simples. Há todo um conjunto de questões a serem resolvidas, como a responsabilidade assumida nos contratos, que determinam como as doses serão usadas”, disse a médica Nicole Lurie, da Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias, que ajuda a OMS a gerir a COVAX.

 

Burocracia

 

Ela ainda se lembra de quando esteve à frente nos EUA, do combate à H1N1, em 2009. “Levamos meses para doar a vacina contra a gripe. Havia zilhões de regras que ninguém conhecia, incluindo a minha favorita: um certificado de fumigação de um palete de madeira para enviar doses para as Filipinas – o que levamos mais de duas semanas para conseguir”.

 

É por isso que a cessão dos excedentes de imunizantes deve ser planejado agora: “O processo pode ser bastante simplificado se a vacina for doada antes de sair da fábrica. Os países que previam excedentes de doses começaram a discutir a doação mas, depois que variantes do coronavírus apareceram, essas conversas pararam”, disse um dos coordenadores da COVAX, Gian Gandhi.

 

A França já se comprometeu a compartilhar 5% das vacinas contratadas, assim como a Noruega – os dois países ainda estão imunizando seus habitantes. As doses serão entregues diretamente em países cujos profissionais de saúde, lutando para conter a doença e tratar os infectados, ainda esperam por vacinas.

 

Fonte: Tecmundo.


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