Voltar aos pubs, reabertos no dia 4 de julho após meses fechados devido ao isolamento social, era a grande expectativa dos ingleses nas últimas semanas. A vontade de retomar um dos hábitos da população britânica era tão grande, que o dia da abertura ficou conhecido como “supersábado”. As aglomerações foram inevitáveis, e o número de casos de Covid-19 voltou a subir. O caso ilustra o quanto é importante ter cautela no processo de retomada das atividades. Uma das questões que afligem governantes neste momento é a circulação de pessoas. Como garantir que os deslocamentos ocorram de forma segura? Para o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson – que contraiu a doença –, o futuro terá a bicicleta como protagonista da mobilidade. Segundo Johnson, haverá “uma era de ouro para o ciclismo”. E isso já começou a se traduzir em obras públicas. A Inglaterra anunciou investimentos da ordem de 250 milhões de libras para construção de ciclovias temporárias e garantir mais espaço para a circulação de pessoas por um meio de transporte individual.
O Reino Unido não está sozinho nessa cruzada. A prefeitura de Paris criou um fundo com 20 milhões de euros para ações que incentivem o uso desse modal. Ele inclui fornecer 50 euros para quem deseja consertar sua bicicleta. “Europeus e americanos estão começando a retomar atividades. Com a chegada do verão, querem usar um meio de transporte seguro e que conte com o apoio dos governos“, diz Cyro Gazola, CEO da Caloi, maior fabricante de bicicletas da América do Sul, hoje controlada pela canadense Dorel, uma das gigantes do segmento no mundo. Para ele, o movimento pode ocorrer também por aqui. “O que falta no Brasil é ação e decisão”, afirma Gazola.
Caso decidisse em favor da bicicleta, o País teria benefícios também nos cofres públicos, principalmente na área da saúde. Estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Análise de Planejamento (Cebrap) mostra que o estímulo ao uso do equipamento de duas rodas poderia resultar na economia de R$ 34,4 milhões no Sistema Único de Saúde (SUS), apenas na cidade de São Paulo. O número leva em conta a diminuição na quantidade de internações e o percentual de viagens de ônibus e carros que deixariam de ser feitas com mais deslocamentos de bicicletas. Existe espaço para isso? Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), há no País 70 milhões de bikes. Se fosse dividida de maneira uniforme pela população, haveria uma para cada três pessoas. Se ainda há muita gente sem uma magrela para chamar de sua, a perspectiva para o aumento da frota é encorajador. Soma-se a isso o fato de o Brasil ocupar uma posição de destaque no ranking mundial de produtores de bikes. Na quarta colocação, o País fica atrás de China, Índia e União Europeia.
No ano passado, a indústria do segmento cresceu 18%. A líder Caloi avançou ainda mais, na casa dos 20%, segundo o CEO da companhia. A empresa responde por 15% dos cerca de 4 milhões de unidades fabricadas no País (são 600 mil bikes da marca) e é responsável por 10% do faturamento da divisão de esportes da Dorel, que no ano passado atingiu US$ 1 bilhão, ou seja, na casa de US$ 100 milhões. Para que a força do segmento signifique mais pedaladas ainda em 2020, é necessário que a indústria retome o ritmo de produção de bicicletas antes da quarentena adotada no Brasil, na segunda quinzena de março.
RETOMADA
A redução nos cinco primeiros meses foi de quase 40%. Foram 202,5 mil bicicletas produzidas de janeiro a maio deste ano, contra quase 333 mil no mesmo período de 2019. Segundo a Abraciclo, abril foi o pior momento para o setor, com produção de apenas 10 mil unidades. Ainda que em ritmo lento, maio já mostrou crescimento de mais de 100% em relação ao mês anterior, com 21,5 mil bicicletas fabricadas. Para se ter uma ideia desse abismo, em maio do ano passado, saíram das fábricas brasileiras pouco mais de 73 mil bikes, o que significa queda de mais de 70%. No Polo Industrial de Manaus, onde estão quatro fabricantes, a atividade começou a ganhar fôlego no mês passado.
A maior barreira para a adoção do pedal como meio de transporte não está, portanto, na capacidade produtiva, e sim na falta de políticas públicas claras de incentivo ao modal no País. Para que a realidade de muitos países europeus e também dos Estados Unidos seja transportada para cá, será necessário combinar vontade política e investimentos públicos. O primeiro passo inclui desenhar programas de mobilidade urbana que garantam mais espaço para circulação de bikes. O segundo, criar incentivos para a compra do equipamento. O Programa Bicicleta Brasil, sancionado em outubro de 2018 pelo então presidente Michel Temer, é um bom exemplo. O projeto prevê ampliar a construção de ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas, além de implantar pontos de locação de bicicletas a baixo custo em terminais de transporte coletivo, centros comerciais e locais de grande fluxo, e até realizar campanhas de incentivo ao uso da bicicleta. Por enquanto, nada disso saiu do papel. Com a pandemia, algumas decisões impensadas tiveram o efeito oposto ao de garantir maior segurança nos deslocamentos individuais.
Um exemplo foi a adoção, na cidade de São Paulo, de um megarodízio, com a liberação alternada de circulação de veículos para placas com finais pares e ímpares. Testada por uma semana de maio, em pleno aumento de casos de Covic-19 e com a proximidade do esgotamento de leitos de UTI para pacientes da doença, a medida recebeu uma enxurrada de críticas. Enquanto ela vigorou, porém, o sistema de transporte público ficou abarrotado, obrigando mais pessoas a se aglomerar nas filas e dentro dos ônibus, metrôs e trens – exatamente o oposto do que recomendavam especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O erro de avaliação da prefeitura paulistana é ainda mais grave quando se sabe que a cidade é a que dispõe da maior rede de ciclovias e ciclofaixas do País, com 468 quilômetros. Em seguida, vêm Rio de Janeiro (450 km) e Brasília (420 km). Na capital paulista, essa infraestrutura ficou praticamente inutilizada durante a quarentena, período que poderia ter servido de estímulo às pedaladas, até por haver menos carros nas ruas e, por consequência, menos riscos de acidentes. Um dos desafios que ainda persistem, e que o Programa Bicicleta Brasil poderia sanar, é garantir que os ciclistas rodem em segurança. Dos cerca de 120 mil quilômetros de vias asfaltadas, o País tem apenas 5 mil km de ciclovias e ciclofaixas. Ou seja, menos de 5% da malha oferece espaço para quem pedala. Metade está em 19 capitais, segundo levantamento do portal Mobilize Brasil. Segundo Gazola, da Caloi, que também representa o setor de bicicletas na Abraciclo, isso ocorre porque a bicicleta nem sempre está entre as prioridades dos prefeitos. Segundo ele, a associação tem estimulado ações de governos municipais para pleitear recursos federais em infraestrutura cicloviária. Em ano de pandemia e de eleição municipal, contudo, o tema fica ainda mais distante da realidade. “Chegamos a enviar cartas ao governo federal e estaduais para que fossem criadas políticas de fomento para o uso da bicicleta, mas não tivemos retorno”, afirma.
2,3 MILHÕES DE VIAGENS
Apesar da falta de interesse político, não há dúvida quanto ao enorme potencial do segmento como alternativa de transporte. A Tembici, empresa de micromobilidade criada em 2010, com atuação em compartilhamento de bicicletas, recebeu aporte de US$ 47 milhões de diversos fundos internacionais, como Valor Capital Group, Redpoint eventures e International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, para investimentos em tecnologia e compra de mais unidades elétricas, para se somar às 16 mil bicicletas nas cidades em que opera (Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, além de Santiago, no Chile, e Buenos Aires, na Argentina) e que realizaram 2,3 milhões de viagens ao mês. Na capital paulista, as bicicletas laranjas integram o sistema chamado de Bike Sampa e patrocinado pelo Itaú. “Nos últimos dois anos, o sistema cresceu dez vezes. Isso mostra que as pessoas já vinham repensando sua forma de deslocamento”, diz Tomás Martins, CEO da empresa, que faturou mais de R$ 100 milhões no ano passado.
Nos últimos cinco anos, as indústrias do Polo Industrial de Manaus investiram cerca de R$ 200 milhões em inovações de produtos, principalmente em elétricas, que representam menos de 0,5% da produção. A retomada dos investimentos está ligada diretamente ao ritmo de aquecimento do setor, que pode ser ainda maior, num momento em que menos deslocamentos de casa para o trabalho ou para a escola podem significar mais pedaladas.
Fonte: MSN Brasil
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