O Brasil nunca foi um país conhecido pela filantropia — no último ranking global, ficou em uma avara 67ª posição, muito atrás até de países mais pobres, como Paquistão, Sri Lanka e o vizinho Paraguai. Mas a pandemia global causada pelo novo coronavírus mostrou um lado bonito e solidário, em um país onde a resistência a doar é proporcional à desconfiança, muitas vezes infundada, em relação a segundas intenções de quem decide abrir os cofres por uma boa causa.
Nas contas da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que monitora a filantropia brasileira, a pandemia já movimentou R$ 3 bilhões em doações de empresas e pessoas físicas no país, um recorde. Ainda estamos em abril, e o número já representa tudo que havia sido doado em 2018 — e está longe do fim. “A expectativa é termos R$ 5 bilhões doados a projetos contra o vírus nos próximos dois meses”, disse João Paulo Vergueiro, diretor executivo da ABCR, que em maio lançará uma campanha on-line de arrecadação de recursos.A mais vistosa dessas doações, mas longe de ser a única, veio do Itaú Unibanco, que anunciou nesta semana R$ 1 bilhão (e sem abater impostos) para combater a pandemia. O dinheiro irá para um fundo dedicado a equipar o Sistema Único de Saúde (SUS) que será gerido por estrelas da medicina brasileira, como Drauzio Varella, e representantes de dois dos principais hospitais de São Paulo: Paulo Chapchap, do Sírio-Libanês, e Sidney Klajner, do Albert Einstein.
Ainda no setor bancário, um consórcio de Bradesco, Itaú e Santander deverá aportar outros R$ 250 milhões na compra de 5 milhões de testes para Covid-19. O conglomerado Votorantim prometeu R$ 50 milhões a hospitais, quantia semelhante à doada pela gigante de alimentos BRF. Elie Horn, fundador da construtora Cyrela, e outros bilionários como Rubens Menin, da construtora MRV, e Eugênio Mattar, da locadora de veículos Localiza, criaram no fim de março um fundo emergencial para equipamentos hospitalares. A meta é levantar R$ 10 milhões.
O futuro parece promissor, mas ainda não reflete a realidade. Segundo levantamento de 2019, apenas 22% dos brasileiros desembolsam recursos à filantropia mais de uma vez por ano. Nos Estados Unidos, o campeão mundial da filantropia, 61% doam com frequência. Para Paula Fabiani, diretora do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), organização não governamental responsável pela coleta dos dados no Brasil, por trás da timidez da filantropia no país está o vaivém da economia brasileira nas últimas décadas, que limitou o orçamento para doações. Quando não se sabe o dia de amanhã, fica mais difícil abrir a mão.
Até hoje, a melhor posição do Brasil no World Giving Index, que mede a filantropia pelo mundo, havia sido em 2015, na esteira do desastre de Mariana, em Minas Gerais, em que o rompimento de uma barragem de resíduos da mineradora Samarco devastou vilarejos e deixou um rastro de 19 mortes. Naquele ano, 30% dos brasileiros entrevistados relataram ter doado recursos com frequência. Na ocasião, no entanto, a maioria das doações veio de pessoas físicas comovidas com a tragédia. Por isso, os valores arrecadados pararam na casa das dezenas de milhões de reais. Agora é diferente. “A pandemia trouxe uma resposta rápida da sociedade civil brasileira, numa escala de recursos jamais vista”, disse Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas, organização social responsável pelo relatório Benchmarking do Investimento Social Corporativo (Bisc), uma pesquisa anual sobre a responsabilidade corporativa das grandes empresas brasileiras.
A onda de solidariedade por aqui segue uma tendência global de comoção por causa da pandemia. Nas últimas semanas, ao menos uma dezena de bilionários veio a público anunciar doações. Poucos foram desprendidos como o americano Jack Dorsey, fundador do Twitter, que doou US$ 1 bilhão, ou 28% de seu patrimônio pessoal, para um fundo de combate ao vírus. Jeff Bezos, fundador da Amazon e o homem mais rico do mundo, prometeu dedicar US$ 100 milhões ao Feeding America, um banco de alimentos para as comunidades carentes nos Estados Unidos. A quantia é 0,1% da fortuna pessoal de Bezos, estimada em US$ 123 bilhões. Seu concorrente direto, o chinês Jack Ma, fundador do Alibaba, destinou US$ 14 milhões às pesquisas de vacinas contra a Covid-19 e uma quantia ainda não revelada para doar ao menos 10 milhões de máscaras a diversos países — inclusive o Brasil. A fundação Bill e Melinda Gates prometeu US$ 100 milhões em testes de vacinas. Elon Musk, da montadora Tesla, comprou 1.200 ventiladores mecânicos. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, prometeu US$ 25 milhões a pesquisas sobre tratamentos da doença.
A filantropia vem ganhando força entre bilionários dispostos a abrir os bolsos para minimizar os efeitos da desigualdade social no mundo. Um marco é a campanha The Giving Pledge, criada em 2010 por Bill Gates e pelo megainvestidor Warren Buffett para convencer endinheirados a abrir mão de parte de sua fortuna para projetos sociais. Até agora 204 bilionários de 22 países já aderiram à iniciativa.
No longo prazo, a pandemia vai aumentar a filantropia no Brasil? Ainda é cedo para afirmar. Um sinal positivo é o fato de o setor de saúde ser o foco da filantropia no país — esse é o motivo número um para mais de 40% dos brasileiros doadores, segundo os dados do Idis. Além disso, a proliferação de campanhas de arrecadação de recursos deverá expandir a base de doadores — há atualmente pelo menos 101 iniciativas desse tipo, nas contas do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), organização não governamental para incentivo de filantropia nas empresas.
O desafio, a partir de agora, é manter o fôlego das doações. Nas contas de Vergueiro, da ABCR, a onda de solidariedade tende a arrefecer três meses depois de uma tragédia. “Como a Covid-19 é algo novo no mundo inteiro, a história agora poderá ser diferente”, disse. As medidas de isolamento social e a queda brusca da atividade econômica deverão prejudicar o caixa das empresas mundo afora, inclusive no Brasil, e poderão comprometer a aplicação de recursos mais para a frente, afirmou Regina Esteves, da Comunitas.
Outra preocupação é na maneira como o dinheiro será investido. O caminho mais promissor é um diálogo aberto entre a iniciativa privada e os órgãos públicos. Parece óbvio, mas não é.
Fonte: Epoca
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