“Infelizmente, o ser humano é muito fácil de enganar.” A frase é pronunciada por Anderson Tamborim, perito em engenharia social, e parece mais verdadeira ainda em um tempo no qual o WhatsApp virou uma espécie de oráculo político. Para os engenheiros sociais, o cálculo só serve para trapacear as pessoas. E o “social” do nome não tem nada a ver com sociologia. Esses hackers acreditam que as pessoas são o elo fraco nos sistemas de segurança.
Colaborador de várias polícias e empresas, Tamborim é um bom frasista. “A fake news é como uma dança: quem mente precisa de um parceiro, que é quem acredita na mentira. ” Em sua palestra, ele repete várias vezes que “somos condicionados a ser manipulados.” O conferencista seguinte completa suas ideias.
“Não há antivírus para controlar nossos instintos. E as fake news fazem carinho neles diariamente e formatam como o sujeito vê a realidade”, argumenta Jonas Uliana, pesquisador em segurança da informação. Esse tipo de hacker começou ludibriando consumidores e empresas, mas ultimamente burla eleitores e democracias.
No Brasil, as eleições de 2014 conheceram “as fazendas de likes” nos posts de Facebook. Em 2018, foi a vez dos disparos de fake news pelo WhatsApp. Para Uliana, o pior ainda está por vir. “Tenho medo do que pode acontecer quando a inteligência artificial estiver mais avançada ainda.” O palco da engenharia social foi um dos oito presentes no maior festival hacker da América Latina, o Roadsec, que rodou dez cidades brasileiras, terminando em São Paulo agora em novembro.
O evento, que chegou a sua 5ª edição, teve também shows de um estilo só conhecido no nicho: o nerdcore. Surgido na virada do século, o gênero misturou a cultura hip hop com a temática dos nerds. Formado por um norte-americano e um inglês que se comunicavam cada um de uma LAN House de um lado do Oceano Atlântico, o Dual Core tocou pela terceira vez no Brasil.
O representante brasileiro foi MC Hackudão, apresentando paródias de hits funkeiros em versão hacker. O programador de Java, que prefere não dar seu nome de batismo, solta várias pérolas ao microfone: “Vou fuder todo esse site”, “Mandei um vírus para invadir seu celular” e “Chega o fim de semana/E ela só quer dar uma hackeada”. Ele vê uma função pedagógica de suas letras. “Quem é da área entende e se diverte. Quem é de fora tem a chance de aprender umas palavras, e depois buscar no Google.
Enquanto o MC Hackudão tocava, os 11 competidores não tiravam o olho da tela no camarote local. Era a final nacional do Hackaflag, campeonato de invasão de sistemas. O campeão foi o paraibano Alisson Bezerra, que encontrou 1350 falhas em 12 horas e ganhou como prêmio uma viagem para a Defcon, a maior conferência hacker do mundo, que ocorre em Las Vegas (EUA).
Estandes vendiam souvenirs para os adeptos da subcultura digital. Nas livrarias, o título mais chamativo era “Guerra Cibernética – A Próxima Ameaça”, sobre a deep web, darknet e outros subterrâneos virtuais que invadem a vida analógica. Na barraca de camisetas, um modelo ostentava a frase “Our Democracy has Been Hacked” (em português, “Nossa Democracia Foi Hackeada”), frase da série “Mr. Robot”.
As palestras ali guardaram algumas curiosidades. Como havia palcos colados um ao outro, várias plateias tinham que usar fones de ouvidos. O silêncio para quem via de fora só era interrompido por uma onda de gargalhadas com as piadas ensaiadas pelo palestrante ou ao final com a salva de palmas.
Já as conferências maiores saíam pelas caixas de som e disparavam termos como “injeção de código”, “estrutura envenenada”, “ação maliciosa” e “artefato cripto-virológico”. Uma das aulas mais concorridas foi de Fernando Mercês, pesquisador de ameaças que falou sobre os malware, aplicativos que roubam informações do moderninho crédulo e distraído. Em um trecho da exposição, Mercês tentou convencer os presentes que é melhor ser hacker defensivo a sua variante ofensiva. “Gente, dá para ganhar dinheiro honestamente, sem pegar dinheiro hackeando. Alguém vai pagar você para defender.”
O termo hacker surgiu nos anos 1970 para denominar os melhores programadores. Nos anos 1990, com a popularização da internet, ele foi associado aos invasores de sites oficiais e criminosos virtuais. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, eles foram classificados como terroristas. Porém, boa parte deles atualmente fazem parte das grandes corporações, ajudando justamente nas questões de segurança dos sistemas.
Há até um manifesto hacker. “Meu crime é a curiosidade. Meu crime é ser mais inteligente que você, algo que você nunca vai me perdoar”, diz uma parte do texto. Será mesmo que o perdão não virá para aquele que derrotar as fake news?
Fonte: Tab uol
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