O Poço tem divido opiniões, e isso é excelente

 

O plano de negócios da Netflix é simples. Quantidade no lugar de qualidade. Boa parte do seu catálogo de produções originais é composto por séries que foram canceladas, portanto tem direitos de aquisição baratos; filmes de segunda categoria cujos estúdios não querem arriscar lançar nos cinemas, e a ocasional obra que vale a pena. É esta oferta de mínimo denominador comum que acostumou audiências com um nível de entretenimento que não desafia intelectualmente e acostuma o público a assimilar produções arrastadas e sem graça.

 

Ou seja, é exatamente assim que Bird Box virou um sucesso apesar de ser horrivelmente genérico e preguiçoso.

 

Por isso, quando um projeto como O Poço surge no infindável catálogo da plataforma de streaming, com uma proposta que não é 100% clara e com inspirações de movimentos cinematográficos que vão contra o gosto do grande público, surgem as críticas negativas. E isto é o melhor indicativo que este horror espanhol está no caminho certo.

 

O Poço

 

O Poço é uma gigantesca prisão vertical. Cada andar possui apenas dois detentos. No centro da sala existe um grande buraco onde diariamente desce uma plataforma cheia de pratos da alta culinária meticulosamente preparados por um grupo de chefes. A plataforma fica parada por apenas dois minutos em cada andar. Não é possível guardar alimentos para mais tarde, caso um preso tente fazer isso, a cela superaquece ou super-esfria até matar os prisioneiros. Mensalmente os detentos são apagados por um gás e acordam em um novo andar aleatório.

 

Quanto mais alto o andar, melhor a chance de sobrevivência já que mais comida sobra. Quando mais baixo o andar mais difícil qualquer tipo de alimento chegue para os presos.

 

Conhecemos Goreng (Iván Massagué), um preso que se voluntaria para o experimento porque quer aproveitar o isolamento para parar de fumar e ler Don Quixote. Acompanhamos a jornada dele entre os andares do Poço. Dos andares mais altos onde a civilização se preserva até os inferiores onde canibalismo, morte e loucura fazem parte da rotina.

 

Tem sentido?

 

Sim e não. O Poço não é um filme que se preocupa em apresentar um mundo lógico. Não faz parte de sua premissa explicar a origem do experimento, porque a prisão existe ou qual é a lógica por trás da mensagem. O diretor Galder Gaztelu-Urrutia tirou uma página do livro de seu conterrâneo Luis Buñuel e criou uma experiência surrealista feita primeiramente para incomodar os sentidos, seguido por tentar deixar a audiência tirar suas próprias conclusões.

 

Talvez o filme que mais se aproxime em termos de proposta é Salò ou os 120 Dias de Sodoma de Pier Paolo Pasolini. Outro filme que também explora os limites da crueldade humana por meio de um experimento surreal e alegórico.

 

Algumas interpretações
Don Quixote

 

Existem inúmeras alegorias interessantes no filme. O primeiro parceiro de cela de Goreng, Trimagasi (Zorion Eguileor), um senhor mais velho armado com uma faca que está cumprindo pena por ter matado um homem. Goreng é magro, alto e idealista. Trimagasi é mais velho, baixinho, pançudo e cínico com a realidade do Poço. Uma clara referência a Don Quixote e seu escudeiro Sancho Pança. Nesta visão, vemos os temas do romance de Cervantes bastante presentes.

 

A luta por sobrevivência como uma forma de postegar a morte e a desilusão pelo mundo atual e a busca por um mundo de outrora mais belo são os temas principais do livro.

 

Inferno

 

Existe uma clara alegoria ao além. A Divina Comédia de Dante Alighieri organizava o inferno e diferentes círculos. Quanto mais profundo, pior eram os pecados que os aprisionados haviam cometido. A única personagem do filme que decide quem vai para O Poço se chama Imoguiri (Antonia San Juan).

 

Seu nome é derivado de um cemitério na Indonésia onde os membros da família real javanesa eram enterrados. Assim, Imoguiri faz o papel da passagem dos vivos para os mortos. Seria O Poço apenas uma visão do inferno?

 

Psique

 

Quando mais profundo o poço, maior a selvageria aparente de seus habitantes. Na psicologia de Freud, a psique humana é fragmentada em três campos: superego, ego e id. O superego representa o controle máximo do indivíduo e o reflexo do comportamento esperado pela sociedade. O ego é a intermediação entre o id e a realidade. E o id são os impulsos mais animalescos, a parte mais profunda da psique humana, desprovida de auto-controle.

 

Quanto mais fundo os níveis do poço mais vemos representações do id.

 

Sociedade

 

Não é a toa que com exceção de Trimagasi e Imoguiri, todos os personagens têm nomes de termos culinários. E a estrutura do próprio Poço onde os que estão acima são mais privilegiados em relação aos que estão abaixo é um forte indicativo que os personagens são apenas “comida” para o sistema social que promove a desigualdade.

 

Fonte: Jovem Pan


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