O processo de amadurecimento nunca é uma tarefa fácil. Entender quem somos e como nossas atitudes afetam o mundo demanda sacrifício, coragem, vontade e muito esforço. Não é um daqueles presentes que vêm dos céus para nos encharcar e nos transformar. Amadurecer é enfrentar medos e lutar contra o inimigo barulhento que vive dentro de cada um. Amadurecer é errar e continuar. Amadurecer é, a duras penas, aprender.
Ao longo das décadas, o cinema aplica, de diversas formas, essa lição para inspirar a sociedade a se metamorfosear. As aulas têm, em média, duas horas de duração. Não é raro, porém, que os alunos não aprendam a matéria ou esqueçam o conteúdo pouquíssimo tempo depois, mesmo quando o assunto é importante e vai cair na prova. No entanto, de vez em quando, aparece um professor que te entende, fala a sua linguagem e te faz entender tudo. É aquele professor que você escuta falar e não dá vontade de dormir, que conta piadas e te ajuda a enxergar o mundo de outra forma.
Um desses professores foi John Hughes e uma de suas melhores aulas foi aplicada no ano de 1985. Usando uma jaqueta de couro preta e o característico óculos de grau redondo, ele usou um giz para, no quadro negro, escrever “Clube dos Cinco”.
A história dos cinco jovens completamente diferentes que são obrigados a passarem o sábado na escola por causa do mal comportamento se tornou um dos maiores filmes de todos os tempos e ajudou a definir o que seria a adolescência dos anos 80. Obrigados a redigirem um texto de 1.000 palavras sobre si mesmos, o atleta, o nerd, a patricinha, a esquisita e o rebelde influenciaram a sociedade e muitos dos filmes do gênero que surgiram desde então.
O impacto desta aula foi, e ainda é visto, em inúmeras obras, porém nenhum aluno foi tão dedicado e soube transmitir tão bem o que aprendeu quanto Stephen Chbosky. Na época em que “Clube dos Cinco” foi lançado, o futuro escritor e cineasta tinha 15 anos, idade próxima dos protagonistas do filme. É apenas possível imaginar o efeito que a detenção matinal no Shermer High School exerceu no garoto.
Stephen cresceu e, nove anos depois, em 1994, começou a escrever o que viria a ser o retrato da nova adolescência. Finalizado e publicado em 1999, “As Vantagens de Ser Invisível” acompanha o amadurecimento de Charlie, um adolescente desajeitado em seu primeiro ano no ensino médio, e dos amigos que ele faz nesse processo. Pelas mãos do próprio Chbosky, que escreveu e dirigiu a adaptação, a história chegou aos cinemas em 2012 e, apesar de não ter causado o mesmo impacto, pode ser encarado como o sucessor moderno do clássico de John Hughes.
Conflitos
Apesar de camuflado pela ambientação infanto-juvenil, “Clube dos Cinco” e “As Vantagens de Ser Invisível” são filmes amargos. O retrato escolar do Ensino Médio ameniza, mas não anestesia os dramas e temas abordados. As duas obras discutem, de forma séria, mas por perspectivas diferentes, as dores que os jovens enfrentam durante o processo de amadurecimento. A solidão, o medo do não pertencimento, os entraves familiares, as pressões escolares, o uso de drogas, o bullying, a sexualidade, entre outros problemas que tendem a ser tratados de forma superficial pelos adultos, mas deixam impactos profundos na formação do jovens.
Os estudantes nos dois longas, a princípio, pensam não terem nada em comum, mas logo percebem que são confrontados pelo mesmo dilemas. Consequências da sociedade que impõe procedimentos e restrições aos seus pensamentos, os colocando em potes delimitados previamente.
John Bender (Judd Nelson) é violento e propositalmente se coloca à margem por causa do comportamento abusivo da família, Andrew Clark (Emilio Estevez) é um atleta pressionado pela reputação e imposições do pai. Claire Standish (Molly Ringwald) se comporta como uma menina mimada porque o grupo em que está inserida exige isso dela. O inteligente Brian Johnson (Anthony Michael Hall) leva uma arma para a escola porque não suporta a ideia do fracasso. Allison Reynolds (Ally Sheedy) está na detenção porque não suporta mais se sentir invisível.
No outro espectro, Charlie (Logan Lerman) é um menino de 15 anos se recuperando da depressão após perder seu único amigo, que se suicidou. Patrick (Ezra Miller) está lidando com os as pressões que sofre pela sua orientação sexual, enquanto Sam (Emma Watson) enfrenta as consequências de relacionamentos abusivos.
Quando a adaptação foi lançada, o crítico de cinema do Tribune News Service, Roger Moore, disse que “As Vantagens de Ser Invisível” era o “Clube dos Cinco” para o novo milênio, mas a afirmação foi bastante questionada. Enquanto uma parte do público concordou, a outra foi efusivamente contra. Dentre os que discordaram, de um lado está a emoção saudosista que enxerga mais qualidade no filme dos anos 80, de outro, os que afirmam que os dilemas da adaptação de Chbosky são muito mais profundos.
No entanto, os paralelos entre os dois tornam-se mais visíveis quando se coloca lado a lado os diálogos e lições que os filmes trazem. Os mesmo temas são abordados, porém tratado de formas diferentes e adaptados à sua geração. “Existem pessoas que esquecem como é ter 16 anos quando fazem 17”, lamenta Charlie em “As Vantagens de Ser Invisível”. “Quando você cresce, seu coração morre”, afirma Alisson, em “Clube dos Cinco”.
Porém, mais do que as imposições externas, o maior antagonista das duas histórias vive dentro da cabeça dos personagens. Apesar das consequências externas, nos dois filmes, são os embates internos que movimentam os enredos.
Retrato de uma geração
Os ensinamentos em ambos os filmes se assemelham, mas a cultura social é mutável e o retrato de cada momento é diferente. As duas visões da juventude trazem personagens complexos e intensos encarnados em estereótipos geracionais.
Diferente da época em que “Clube dos Cinco” foi lançado, hoje é bem mais aceitável que o nerd desajeitado também seja inserido em um grupo. Apesar de desempenharem arquétipos semelhantes, Charlie e Brian atuam de formas diferentes. Não que hoje seja fácil, mas antes a construção desses grupos sociais eram mais cruéis e forçavam uma segregação maior.
Ambos os filmes lidam com o uso e abuso de drogas. Em “Clube dos Cinco”, Brian, Claire e Bender, em um momento de descontração, fumam maconha na biblioteca da escola. Já em “As Vantagens de Ser Invisível” Charlie é apresentado à maconha, ecstasy e LSD, o que serve como estopim para um momento chave da trama. Não é possível definir se as drogas se tornaram mais difundidas e aceitas, ou o público simplesmente se acostumou a visualizá-los na tela, mas as discussões sobre o tema e a representação na cultura pop estão mais difundidas atualmente.
Sexo é outro rito de passagem que ambos os filmes tratam. Bender sexualmente assedia Claire (levantando a saia quando se escondia debaixo da mesa) e implica com quase todos para compartilharem suas histórias sexuais. No longa, os alunos confessam que têm medo de perder a inocência, já em “As Vantagens”, a virgindade fica em segundo plano. O drama aborda a sexualidade de outra forma, explorando as consequências que estes momentos tiveram na construção dos personagens. De certo modo, os abusos sexuais sofridos por Charlie e Sam são retratados de forma mais dura e crua, enquanto “Clube dos Cinco” usa músicas alegres e piadas para deixar estes momentos mais palatáveis.
Trilha Sonora
Das qualidades mais notáveis nos dois filmes está a escolha da trilha sonora. A intimidade já se estabelece quando, ainda no início de “Clube dos Cinco”, uma citação da música Changes (“Mudanças”) de David Bowie é apresentada. “E as crianças em que vocês cospem, enquanto tentam mudar seus mundos, são imunes aos seus conselhos. Elas sabem muito bem por aquilo que atravessam”. E David Bowie também está presente em uma das cenas mais importantes do filme de Chbosky. Além de ser usada como peça do roteiro, “Heroes” simboliza a consagração simbólica da epifania de Charlie, reforçando a construção de quem ele se tornou após toda a trajetória que a trama acompanha.
No entanto, além de Bowie, as duas obras aproveitam temas icônicos do pop e rock dos anos 80 para ambientar suas histórias. O tema de “Clube dos Cinco”, “Don’t You (Forget About Me)” foi gravado especialmente para a trilha sonora do filme e, hoje, é considerada uma das músicas que ajudaram a definir aquela década.
Coincidentemente (ou não), ambos os filmes terminam com uma carta. Em “Clube dos Cinco”, Brian está lendo a carta que o diretor obrigou os alunos a escreverem no período de detenção. Já em “As Vantagens de Ser Invisível”, Charlie lê a última da série de cartas que enviou para um destinatário desconhecido ao longo do filme. E o que torna as cenas ainda mais impactantes são as músicas que ambientam esses momentos.
Ao longo do monólogo de Brian em “Clube dos Cinco”, a música “Don’t You Forget About Me” do Simple Minds toca silenciosamente e aumenta quando Bender ergue o punho no ar. Durante o monólogo de Charlie, ele, Sam e Patrick estão dirigindo por um túnel. Assim que eles chegam à saída do túnel, o monólogo termina e “Heroes”, de David Bowie se torna a protagonista.
John Hughes e As Vantagens de Ser Invisível
John Hughes leu o livro de Stephen Chbosky e gostou tanto da história que comprou os direitos e até começou a escrever o roteiro. Além de roteirista, ele tinha o objetivo de ser diretor do longa. Enquanto escrevia, chegou até a pensar nos atores que protagonizaram a obra. Shia LaBeouf (“Transformers”) seria Charlie, Kirsten Dunst (“Homem-Aranha”) viveria Sam e and Patrick Fugit (“Quase Famosos”), Patrick.
No entanto, ele nunca terminou a história. A morte súbita de Hughes paralisou o projeto e algum tempo depois ele foi retomado, desta vez como um filme independente dirigido e escrito pelo próprio Chbosky.
“Clube dos Cinco” e “As Vantagens de Ser Invisível” fogem dos padrões que costumam retratar a juventude de uma forma mais cômica ou leve. Eles se destacam justamente pelo apego à realidade e aos conflitos geracionais, buscando trazer, em seus universos particulares, uma mensagem bem semelhante: por mais diferentes que as pessoas sejam, os problemas, questionamentos e metamorfoses que elas passam são reais e doloridos.
No fim das contas, a relação entre os diretores é mais estreita do que se imagina. Assim como outros cineastas que, hoje, se empenham em criar um novo olhar para a juventude, as referências de Chbosky se apoiam nos ensinamentos de Hughes.
E, você, o que acha dessa comparação? Acredita que “As Vantagens de Ser Invisível” pode se tornar um clássico como “Clube dos Cinco”? Quais aspectos você imagina que seriam diferentes se fosse o livro de Chbosky fosse adaptado aos cinemas por John Hughes? E, na sua opinião, que outros filmes recentes também se encaixam nesse retrato menos simplista do processo de amadurecimento popularizado por Hughes?
Fonte: Cinema com Rapadura
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