Antes de Jaimee Foxworth, Dana Plato, Macaulay Culkin e até mesmo JonBenét Ramsey, o estrelato já havia feito várias vítimas. Sob o holofote mais disputado dos Estados Unidos e do mundo, uma dessas foi a pequena Shirley Temple. A loirinha mais vista, disputada e adorada de toda a América se tornou um símbolo com seus famosos cachos nos cabelos. Contudo, não foram seus filmes que a imortalizaram na história mundial, foi sua carreira conturbada quando era apenas uma criança.
A ascensão de uma estrela
Tudo começou no dia 23 de abril de 1928, em Santa Monica (Califórnia), quando Gertrude Temple deu à luz Shirley Jane Temple — a terceira filha da dona de casa com o bancário George Temple. A família se mudou para Brentwood, em Los Angeles, o berço das maiores estrelas de Hollywood, a tempo de a Grande Depressão atingir a nação norte-americana.
Frustrada e temendo a pobreza, Gertrude Temple precisava encontrar uma saída rápida para a família. Sem precisar raciocinar muito, ela recorreu ao meio mais óbvio, seguindo o clichê de todas as mães daquela época: canalizou as suas ambições na filha. Quando Shirley tinha apenas 2 anos, a mãe percebeu que a filha tinha um talento nato para a música e a dança. Em meados de setembro de 1931, indo na contramão da crise, os pais decidiram matricular a garotinha em aulas de dança, canto e atuação na Ethel Meglin Dance Studios, conhecida por ser um chamariz de olheiros. Foi aí que Gertrude começou a modificar o visual de sua filha para deixá-la mais atraente, arrumando os cabelos dela com os célebres cachinhos.
Em 1932, com mais bancos fechando, o investimento da família deu certo quando a pequena Temple foi vista por Charles Lamont, um diretor de elenco da distribuidora de filmes Educational Pictures, enquanto ela estava em uma de suas aulas de dança. Lamont ficou encantado com a personalidade dela, que foi confirmada quando ela saiu com um contrato assinado após uma audição e seu pai com um novo emprego: agente financeiro dela.
Com duração de no máximo 10 minutos, as produções eram curtas-metragens que satirizavam filmes e eventos recentes usando crianças em todos os papéis. Contratualmente, Temple participaria de 26 filmes de comédia a US$ 50 por semana, deixando bem claro o nível da exploração infantil na indústria. E isso era só o começo.
Vendo e não enxergando
Naquele tempo, era considerado absolutamente comum e engraçado crianças imitarem os adultos, reproduzindo estereótipos e alimentando contextos sexistas. Tudo era considerado válido como entretenimento.
O primeiro filme de Temple, intitulado War Babies, fazia parte de uma série de 8 curtas chamada Baby Burlesks – um nome sugestivo o suficiente. Com apenas 3 anos de idade, ela interpretou uma considerada “dançarina exótica”, que na verdade era uma garota de programa de nome Charmaine. Foi nessa cena que Temple recebeu o seu primeiro beijo na boca, enquanto se insinuava para soldados encenados por garotinhos, vestindo roupas que a deixavam seminua junto com uma fralda presa com alfinete para quebrar a seriedade do contexto.
A cínica exploração infantil louvada pela sociedade continuava ainda pior por detrás das câmeras. Como lidar com várias crianças querendo apenas ser o que realmente são em um estúdio de gravação? Como lidar com o temperamento delas? Eles respondiam “métodos de disciplina”, que na verdade era tortura.
A Caixa da Punição era uma cabine de som sem janelas, uma versão psicológica do sufoco, adaptado à versão cinematográfica do livro Matilda, de Roald Dahl. Quando as crianças se comportavam mal, elas eram enviadas para lá e forçadas a se sentarem sobre um bloco de gelo. Isso foi o motivo de vários danos físicos e emocionais.
Para a indústria, tempo já era dinheiro, e os empresários não podiam desperdiçá-lo tendo paciência com as crianças que estavam ali forçadas pelos pais ambiciosos. Shirley Temple aprendeu, durante as várias vezes sentada na caixa, que tempo desperdiçado significava problemas e foi isso que a manteve sã ao longo de vários momentos que estavam por vir.
Temple foi forçada a trabalhar horas a fio após uma operação em seu tímpano. Em uma ocasião, ela teve que forçar um pé gravemente ferido durante ininterruptas sequências de danças, sem chorar. Em um de seus tórridos filmes, exigiram que a garotinha posasse para uma fila de garotos enquanto falava “Sou muito cara” e trocava beijos por pirulitos, fazendo do doce a sua marca registrada.
O rosto de uma América
No dia 7 de dezembro de 1933, aos 5 anos, Shirley Temple obteve a sua grande chance quando foi convidada pelo compositor Jay Gorney a uma audição na Fox Film Corporation para ser a protagonista do filme Stand Up and Cheer. Cativados quando ela apresentou a música Baby Take a Bow, os produtores fizeram um contrato de US$ 150 por semana durante 1 ano, com um adicional de US$ 25 por semana para Gertrude Temple.
E, apesar de um início obscuro, ainda que totalmente condizente com a época, Temple se tornou um sucesso absoluto. Entre os anos de 1935-39, a garotinha sorridente foi considerada “a estrela de cinema mais popular da América”; segundo o The New York Times, ultrapassando o próprio Clark Gable, considerado na época “o rei de Hollywood”.
Assim que o sucesso da menina estourou com o filme Bright Eyes, a popularidade de dela foi tão devastadora que chegou a ser fotografada mais vezes do que presidente Roosevelt. Naquela altura, o seu contrato já havia alcançado a marca de mil dólares por semana, algo considerado inimaginável para uma criança.
Com toda essa fama, a exploração precisava ser intensificada. Para que Temple ficasse perfeita diante das câmeras, tortura psicológica foi usada. Em Little Miss Marker, por exemplo, quando a garotinha precisou chorar, o diretor a ameaçou dizendo que um homem havia sequestrado a sua mãe e que iria matá-la com um tiro. Pronto, o take perfeito de uma criança inocente com os olhos vermelhos de tanto chorar.
Temple era ouro, tanto que foi roubada pelo próprio pai. O carisma dela tirou a 20th Century Fox da falência, e o pai lutou na justiça para que o salário da menina fosse compatível com o quanto ela valia. A princípio, a cada filme concluído, 15 mil dólares eram pagos, além do custo semanal e os adicionais de US$ 250 para a mãe. Depois esse valor evoluiu para 35 mil, sendo pago 10 mil por semana.
Temple chegou a ganhar mais de 3,5 milhões de dólares, mas quando pôde ter acesso a sua conta bancária havia apenas 44 mil, o resultado de anos dos desvios que o seu pai fez de seu fundo fiduciário.
Livre, finalmente
Shirley Temple foi perseguida mais do que uma bruxa por falsos rumores. O pior deles, porém, foi de que ela era uma anã idosa que se passava por criança. O boato se enraizou tanto, principalmente na Europa, que o Vaticano enviou o padre Silvio Massante para investigá-la. Afinal, como ela nunca aparecia banguela? Placas dentárias eram a explicação, mas eles não buscaram saber.
O cabelo loiro cacheado também era motivo de suspeita. Como ela o mantinha tão perfeito? Tinha que ser peruca, por isso os curiosos puxavam-no tanto quando ela estava em público. Em sua autobiografia, Child Star, Temple desejou usar peruca, pois sofria com os cuidados que tiravam suas noites de sono e “queimavam” os seus olhos.
Durante um especial de Natal ao vivo, na rádio, a garota sofreu uma tentativa de homicídio de uma mãe que alegava que ela tinha roubado a alma de sua filha e que a morte seria a única maneira de libertá-la. Felizmente, conseguiram conter a mulher a tempo.
Em 1940, após 2 fracassos de bilheteria, a Fox cancelou o contrato de sua estrela mais rentável. Aos 12 anos, Temple assinou com a MGM e teve que enfrentar a pior fase do estrelato: a predação sexual. O produtor Arthur Freed ficou pelado na frente dela em seu escritório, mas a jovem conseguiu fugir. David Selznick tentou abusar dela sexualmente durante uma reunião, mas ela escapou.
Apesar de ter conseguido se livrar de estupros, Temple teve que aguentar ser apalpada, encurralada e molestada por homens que a aterrorizavam. Inclusive o seu primeiro marido, John Agar, que era abusivo e alcoólatra.
Em 1950, aos 22 anos, a mulher se aposentou das telas e se casou com Charles Black, com quem viveu por 55 anos. Durante o resto de sua vida, ela finalmente trilhou o próprio caminho. Candidatou-se ao Congresso, tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de Chefe de Protocolo, tornou-se embaixadora, ativista e sobreviveu a um câncer de mama. Ela foi membro de conselhos e corporações, como da Walt Disney Company e da National Wildlife Federation.
Cheia de honrarias, prêmios e com uma trajetória sã, apesar de todo o caos de sua infância, Shirley Temple descansou no dia 10 de fevereiro de 2014 após sobreviver fielmente à própria fala: “qualquer estrela pode ser devorada pela adoração humana, brilho a brilho”.
Fonte: Mega Curioso
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