Imagine por um momento que você esteja passando por um grave problema de saúde que nenhum médico foi capaz de solucionar. Não seria maravilhoso encontrar um tratamento que te curasse só com a força de sua mente? Não seria fantástico — quase milagroso — que algumas técnicas de introspecção permitissem acessar regiões pouco exploradas do cérebro e, dessa forma, dissipar a doença? Bom, esse é o caso do ThetaHealing, a prática cujos adeptos alegam se basear na concentração, no pensamento e na oração para encontrar a cura de diversos males.
É verdade que o cérebro humano tem propriedades notáveis e caminhos pouco usuais do ponto de vista cartesiano. Por meio da investigação psicanalítica, por exemplo, Freud permitiu que mulheres histéricas, que sofriam de graves paralisias, voltassem a andar normalmente. Mas qual o limite entre a potência mental e o charlatanismo? Quando técnicas de autoconhecimento passam a ser fraudes?
Nem religião, nem ciência
A ciência e a medicina ocidental têm se aproximado de alguns elementos bastante caros a doutrinas espiritualistas. A meditação, em que se exercita a atenção para a prática de autorregulação do corpo e da mente, é um desses casos.
O problema, portanto, não está em fazer uso de uma ou outra técnica, mas de vendê-las como promissoras mesmo sem respaldo científico, ou argumentar que elas sejam capazes de soluções maravilhosas desde que se creia suficientemente nelas.
A cura do câncer é apenas mais um exemplo da lista de milagres prometidos pela fundadora do ThetaHealing. Vianna Stibal. Segundo ela, a técnica a permitiu vencer a doença em 1995. Em princípio, não há nada de errado em transformar crenças pessoais em questões de pesquisa, mas existe um passo a passo investigativo a ser considerado.
O efeito placebo, por exemplo, é um velho conhecido da ciência: trata-se da inclinação aos efeitos de cura pelo simples fato de se crer que ela acontecerá. O fato é que, até que se prove o contrário dentro de parâmetros científicos rigidamente controlados, elas não são mais que hipóteses.
Mas, no caso do ThetaHealing, a ciência parece ser uma companhia coadjuvante. Segundo o site da instituição, o ThetaHealing funciona sob parâmetros científicos, porque trabalharia com ondas theta e outros fenômenos quânticos ligados ao funcionamento cerebral.
Mas, além de não haver rigor acadêmico nessas informações, a seriedade com a pesquisa para por aí. O método se propõe a usar a intuição “contando com o amor incondicional do Criador, o espírito que entrelaça e liga todas as coisas existentes”.
O filósofo da ciência Karl Popper entendia que só se pode afirmar que algo é científico caso se possa também afirmar o contrário por meio da ciência. Por exemplo, um medicamento é útil no tratamento de uma doença com respaldo científico porque outros testes podem descobrir o contrário e reverter o entendimento anterior. Mas como provar que existem técnicas que conectam as pessoas ao seu “Criador”?
Por isso, considera-se que que o grupo é uma seita, ou seja, um grupo de pessoas que acredita no poder espiritual de determinadas técnicas para o autoconhecimento e processos de cura. Isso é legítimo e protegido pelo princípio da liberdade religiosa. Mas, ainda segundo o site, o método não é uma religião.
E é nesse meio termo que o ThetaHealing sobrevive: seu objeto de trabalho seria algo mais inovador do que a religião e mais ousado do que a ciência está pronta para lidar. Duplamente irrefutável: o melhor de dois mundos.
Nem ético, nem legal (e nada barato)
Mas, então, o que é o ThetaHealing? Uma filosofia de hippies que foram longe demais? Ou uma fraude, simplesmente?
Bom, fraude é a aposta da maior parte das pessoas, inclusive de cientistas. A rede britânica BBC entrevistou médicos a esse respeito e a opinião sobre a instituição foi: “irresponsável e criminosa”.
A começar pela fundadora do grupo. Processada (e condenada) mais de uma vez, Stibal não conseguiu demonstrar que, de fato, teve um câncer curado em 1995, muito menos que seja em razão das técnicas que a levaram a criar o ThetaHealing.
Mais que isso, o método parece não ter limites quanto a seu potencial de benefícios. Na internet, há casos tão assustadores quanto a cura milagrosa do câncer. Terapeutas já afirmaram ser possível regenerar partes do corpo, sejam membros amputados ou órgãos extraídos por cirurgia, e curar a AIDS.
Se Stibal é visionária, ingênua ou estelionatária, é difícil saber. Mas isso não diminui a dimensão do problema. Sem critérios científicos que sustentem rigidamente o que o método pode ou não curar, não é fácil controlá-lo. Ele está presente em dezenas de países por meio de terapeutas certificados pela instituição que leva o nome do método.
Como ser um Master ThetaHealing?
Para se tornar um Master ThetaHealing, deve-se fazer uma formação que dura menos de 90 dias e custa cerca de R$ 20 mil. Pelo site do órgão, é possível contratar o primeiro do ciclo, pré-requisito para o seguinte. O seminário de três dias se chama DNA Básico.
Apesar do nome científico, ele permitiria “mudar os padrões de vida mantidos pelas crenças centrais, genéticas, históricas e da alma, autoinfligidas ou impostas externamente. (…) Os alunos experimentam uma abertura para o Amor Incondicional do Criador. (…)”. Este seminário custa R$ 1.290.
Tudo isso é lícito como autoconhecimento, mas o mesmo não vale para um conjunto de técnicas que se propõe a formar terapeutas. Até que se encontre uma explicação plausível para unir DNA e anjos da guarda na mesma frase, é um comércio sem qualquer amparo científico e legal. Assim como outros países, o Brasil possui legislação contra o curandeirismo.
Entre exploradores do sofrimento alheio ou bem intencionados, mas desprovidos de zelo científico, é difícil saber quem é quem nesse meio. Mas se trata de um problema ético, tal qual outros disponíveis no mercado criado pelo sofrimento.
Fonte: Mega Curioso.
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