Enquanto a elefanta africana Terezita balança de um lado para o outro em seu pátio de terra batida no Zoológico de São Paulo, o urso pardo anda em círculos dentro de sua caverna, o gato-mourisco é visto indo e voltando de sua vitrine e o babuíno segue imóvel, com a testa apoiada em um degrau.

 

Morrer de tédio não é mera força de expressão na criação de bichos em cativeiro. O problema diminui o apetite dos animais e a resistência deles a doenças e os deixa debilitados. Pesquisas mostram que o tédio do confinamento faz os níveis de corticosterona (o hormônio do estresse) no sangue dispararem.

 

Desenvolver atividades para combater o marasmo é um dos desafios do zoológico paulistano, que está completando 57 anos em março. Para quebrar a rotina de verdade, as atividades devem ser variadas. Para cada animal, um repertório de 30 a 40 estímulos diferentes é bolado.

 

A maioria dos bichos recebe frutas em cubos de gelo e alimentos escondidos. A comida pode ser colocada em caixas, entre folhagens ou em uma bola de plástico com buracos, o que faz o animal ter de manipulá-la para conseguir se alimentar.

 

Com uma forte paixão por areia, a elefanta Terezita recebe meio caminhão em seu recinto a cada dois meses. “Ela deita, fica com as pernas para cima, faz uma verdadeira esfoliação”, diverte-se o biólogo Oriel Nogali, responsável pelo programa “antitédio” do zoológico paulistano. Pintura é outro hobby da paquiderme. Com tintas feitas à base de farinha, água e corantes comestíveis, ela pinta olhos, orelhas e testa, usando a tromba como pincel.

 

A atividade é mais sensorial do que artística. “A tromba do elefante é muito tátil. Pegar aquela pasta e esfregar no corpo deve dar uma sensação diferente para ela”, conta Oriel. Também são muito utilizados os estímulos de cheiro, os preferidos do urso pardo, um dos animais que precisam de atividades todos os dias.

 

Dingo adora descobrir de onde vem o odor de temperos como curry e pimenta do reino que a equipe do zoo espalha pelo seu recinto. Também gosta de se esfregar nos aromas, para que fiquem impregnados em seu corpo. “É um animal que veio de circo, desnutrido. Quando chegou, tinha um comportamento de esfregar a cabeça na parede até esfolá-la”, conta Oriel. Atualmente, o urso parou de machucar a si próprio, mas continua a apresentar o chamado “pacing” (mania de caminhar constantemente).

 

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DIFICULDADES

 

O programa de enriquecimento comportamental e ambiental do Zoológico de São Paulo foi implantado em 2004 e atualmente conta com oito funcionários para os cerca de 3.200 animais. Para especialistas da área, ainda é considerado abaixo da excelência que os setores de nutrição e veterinária da instituição já alcançaram.

 

O biólogo Oriel Nogali, responsável pelo programa, diz que eles ainda precisam “melhorar muito”, especialmente em relação à formação dos técnicos, o que acontece a longo prazo. Outro entrave, afirma ele, é a burocracia para adquirir os itens necessários como as compras têm de passar pela aprovação do governo do Estado, podem demorar um pouco. Por exemplo: um dos acessórios que Oriel planeja importar são bolas feitas de borracha maciça, que custam o equivalente a R$ 710 nos Estados Unidos, onde são fabricadas.

 

De acordo com Oriel, esse tipo de bola poderia ajudar a entreter elefantes, rinocerontes, tigres e outros animais. Hoje, há apenas uma dessas bolas especiais no zoo, doada por uma pesquisadora estrangeira em visita à instituição.

 

DANÇA DA SOLIDÃO

 

A vinda de um companheiro também pode ajudar a aplacar o tédio, mas a tarefa é das mais difíceis. Para o babuíno Babu, não há muita esperança depois de tantos anos.

 

Ele era o mais jovem de seu grupo, mas os companheiros foram morrendo um a um. Uma fêmea chegou a ser trazida para se juntar ao símio anos atrás, mas o romance acabou não emplacando. Pelo contrário, ele a atacou. “Tivemos de costurar a fêmea inteira”, lembra Mara Marques, bióloga do departamento técnico do zoo.

 

Existe uma lista de intercâmbio de animais entre os zoos, mas normalmente as trocas só ocorrem para programas de conservação de espécies ou de educação, com grupos de animais que já estão habituados entre si. Isso porque os custos envolvidos com transporte e adaptação podem ser muito altos, e as chances de sucesso, baixas para justificar um pareamento apenas por questões de companhia. “É preciso muito estudo antes de se tomar uma decisão dessas”, afirma a bióloga.

 

Quando os chimpanzés que estão atualmente em exibição em São Paulo foram trazidos de Lisboa, um tratador veio junto para que os animais pudessem se desvincular aos poucos. Além dos gastos com transporte, que envolveram também contratação de seguro, foi preciso pagar a estadia do profissional. Justamente por causa do estresse a que os animais acabam sendo submetidos, há diversas entidades que se colocam contra os zoológicos.

 

É o caso do Projeto GAP Internacional, que tem foco em grandes primatas. Segundo seu presidente, Pedro Ynterian, além de solidão e tédio, a exposição também é uma fonte de angústia para os bichos. “Eles são submetidos ao assédio do público, o que perturba muito, especialmente os primatas. E os animais são trancados à noite. É antinatural”, afirma Ynterian.

 

Essa percepção negativa é desafiadora para os zoológicos, que dependem de verbas de bilheteria e de repasses do governo. Se as instituições são vistas negativamente, essas receitas diminuem, diz a bióloga Mara Marques. No Zoológico de São Paulo, em 2013, ano do último relatório disponível, a instituição recebeu a visita de 1,2 milhão de pagantes, o que gerou uma receita de R$ 20,7 milhões —a maior parte dos R$ 24,9 milhões arrecadados se somadas as verbas vindas do governo e de atividades e investimentos do próprio zoo.

 

Os animais do zoológico não são tirados da natureza. Normalmente, são resgatados do tráfico, de zoológicos que fecharam ou de circos, explica o biológo Carlos Alberts, pesquisador da Unesp de Assis (SP). Além disso, hoje os zoos desenvolvem programas de conservação, que podem ajudar a salvar espécies ameaçadas de extinção.

 

“É ingênuo pensar que na natureza o bicho está sempre bem. Eles passam fome, brigam. No zoo, um leão vive 30 anos. Na natureza, dez.”

 

 

Fonte: Folha de São Paulo


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