Estamos entrando na terceira semana da quarentena e, por recomendação da OMS e do Governo do Estado de São Paulo, estamos optando, neste momento, pelo isolamento social para evitar um colapso no sistema de saúde do Brasil. Confesso que estou exausta. Sinto que estou em uma maratona, ou seja, uma prova de resistência na qual é preciso muito cuidado com o corpo, mas principalmente com a mente.

 

Estou redigindo este texto às 3 da manhã, pois a insônia bateu e é nesta hora que a casa está completamente em silêncio e eu consigo de fato produzir. Esta não é uma situação incomum para mim. Desde que a minha filha mais velha, a Clara, nasceu há 10 anos atrás, eu tenho trabalhado bastante em casa, fazendo home office sempre que possível para equilibrar melhor todos os “pratinhos” da liderança feminina. Hoje sou mãe também da Sofia, de 4 anos, e do Vinícius, de 1 ano. Essa tem sido minha realidade cotidiana há alguns anos, quando decidi equilibrar meus projetos pessoais, o principal deles, a maternidade, com a minha paixão profissional, ser empreendedora de negócios de impacto social.

 

Se essa realidade já é complexa no dia-a-dia, faço parte de um grupo de mulheres que viram suas rotinas se transformarem radicalmente diante da pandemia do COVID-19 e estão ainda mais sobrecarregadas. Agora, além do desafio de equilibrar a atenção aos filhos com o trabalho, seja no escritório ou em casa, muitas de nós estamos liderando processos de homeschooling com os nossos filhos. Com as aulas das crianças sendo suspensas e sem a possibilidade de contar com a tão valiosa rede de apoio – sejam os trabalhadores domésticos, que foram responsavelmente dispensadas, os avós, que precisam estar isolados das crianças e até mesmo amigos, que não podem oferecer a ajudar porque estão enfrentando os mesmos desafios – nós, mulheres, temos que agora equilibrar ainda mais “pratinhos”.

 

Nesse cenário, precisei reorganizar minha vida por inteiro. O primeiro passo foi montar um novo calendário com horários para as atividades aqui em casa. Pela manhã consigo dar atenção às crianças e fazer as atividades. À tarde, enquanto elas fazem uma sessão cinema com pipoca em casa, eu consigo trabalhar. Acolher as demandas e inquietações das minhas crianças e, ao mesmo tempo, me acostumar com o distanciamento social e com todas as limitações que essa nova realidade traz não está sendo fácil. Sinto que, além de toda informação que temos que digerir diariamente sobre o avanço da epidemia e os impactos desse processo, uma sobrecarga extra foi colocada sobre os meus ombros. Como dar conta de tantas responsabilidades e tantos papeis ao mesmo tempo? Como atender a todas as demandas e expectativas que caem no nosso colo, seja dos filhos, do marido ou das minhas equipes no trabalho? Atualmente tenho mais de 20 funcionários para gerenciar, o que implica em não somente garantir que os projetos tenham continuidade, mas também zelar pela saúde física e, especialmente, mental de todos eles nesse cenário incerto.

E assim estive nas últimas semanas, tentando organizar as infinitas tarefas e decisões de meus universos particular e profissional: garantir os insumos necessários para o trabalho remoto, montar novas estratégias de atuação, desmobilizar agendas e compromissos, pensar em atividades para as crianças, organizar as tarefas cotidianas da casa e, mais importante, cuidar da saúde dos meus filhos e da minha também. Especialmente a saúde mental.

 

Enquanto escrevo este texto confesso que fico me perguntando quantas mulheres não estão na mesma situação que a minha e como podemos unir forças para compartilhar experiências e estabelecermos uma rede de apoio, mesmo que virtual, neste momento? O contexto nos obriga a viver um dia de cada vez. Algumas técnicas têm sido preciosas para garantir o trabalho nesse período: garantir um espaço organizado, tranquilo e funcional para o trabalho, definir os horários e o planejamento de tarefas e tentar mantê-los, além de estabelecer os momentos para as brincadeiras, refeições e conversas com as crianças. Tudo isso tem me ajudado durante a quarentena, afinal, é importante delimitar o momento de atender demandas pessoais e profissionais.

 

Mas preciso confessar que, muitas vezes, liderar todas essas esferas me deixa exaurida. Nessas horas, não tento ser a Mulher Maravilha e dar conta de tudo. Simplesmente respiro fundo e começo novamente. Acolho minhas necessidades, inseguranças e desejos. Revejo a agenda, faço promessas realistas e práticas. Se for preciso, remarco aquele call para mais tarde enquanto tento acalmar uma das crianças que precisa de colo. As mulheres, mães e empreendedoras sabem muito bem disso.

 

O momento é difícil sob todos os pontos de vista. Continuaremos dando conta de todos os papeis e demandas, ao mesmo tempo em que viveremos os profundos impactos da pandemia ao longo dos próximos meses. Você, mulher, mãe e profissional, não se sinta culpada porque o trabalho não está rendendo como deveria, se falou de maneira ríspida com o seu filho ou se passou o dia tentando acalmar os ânimos dos pequenos. Nesse desafio de equilibrar as diversas tarefas e expectativas, você está se saindo melhor do que pensa.

 

Aproveite esse tempo e o privilégio de trabalhar de casa, olhando os filhos, atendendo-os sempre que necessário e zelando pela saúde deles. Se tem uma coisa que a maternidade e a paixão pelo meu trabalho têm me ensinado é que precisamos colocar sempre em prática o difícil exercício de separar aquilo que é importante do que é essencial. Este é o momento que precisamos focar no essencial. Que saibamos escolher com sabedoria.

 

*Letícia Piccolotto Presidente Executiva da Fundação BRAVA, fundadora do BrazilLAB – primeiro hub de inovação GovTech que conecta startups com o poder público e mãe de 3 filhos.

 

Fonte: Claudia.


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