Foi por volta de 1915 e 1916, um pouco antes do final da Primeira Guerra Mundial, que os casos de uma estranha e até então desconhecida doença começaram. Os soldados foram as primeiras vítimas a experimentarem os sintomas que envolviam um estado de letargia e confusão profunda. Os guerrilheiros foram examinados por médicos em Paris que, à princípio, acreditaram que tudo não passava de uma reação ao gás mostarda que foi muito usado durante os conflitos no campo de batalha.

 

Até que alguns civis começaram a dormir.

 

Foi só aí que a nova doença despertou a atenção dos médicos, especialmente de um neurologista de Viena chamado Constantin Von Economo. O que estava acontecendo com os soldados não era em decorrência de efeitos de exposição a um gás letal. Von Economo começou a estudar as variações em como a doença se apresentava. Ele rapidamente identificou a forma hipercinética dela, que envolvia movimentos rápidos, espasmos, picos de ansiedade, insônia e inquietação. Em sua outra forma, a amiostática-acinética, a doença se mostrou semelhante ao Parkinson.

 

E então, a terceira e última forma, a sonolenta-oftalmoplégica, foi caracterizada pelo fato de o paciente adormecer normalmente em momentos aleatórios antes de entrar em uma espécie de coma e não acordar nunca mais. Era a forma mortal e, aparentemente, irreversível. Os que não morriam ficavam paralisados como estátuas, presos em seus corpos, alguns com os olhos arregalados e outros apenas dormindo, mas bem acordados por dentro.

 

Em 1917, Von Economo publicou um artigo sobre essas suas descobertas e observações, intitulando-o A Encefalite Letárgica, referindo-se ao cansaço causado no cérebro. Ele a descreveu claramente como uma doença do sono. E, como que uma espécie de presságio, mais pessoas começaram a dormir para sempre. Muito mais. Mais do que esperavam.

 

Quem dorme

 

De repente, no final da Primeira Guerra Mundial, a encefalite letárgica ganhou proporções mundiais à sombra da Gripe Espanhola, que teve início em 1918 e matou mais ou menos 50 milhões de pessoas ao redor do globo. As pessoas morriam aos montes de todos os lados em decorrência da gripe, e esse foi o fator crucial para ofuscar essa nova e tão perigosa doença do sono, que acabou passando por despercebida por mais tempo do que deveria. Os médicos que cuidavam dos pacientes vitimados pela gripe assassina não faziam ideia de que muitos deles também estavam, na verdade, dormindo para sempre por conta da encefalite letárgica.

 

Muito embora a doença afetasse pessoas de todas as idades, os jovens, principalmente as mulheres, entre 15 e 35 anos de idade, compunham o grupo de risco. Assim que afetados, os primeiros sinais tipicamente envolviam uma dor de garganta aguda e febre, acompanhados de uma dor de cabeça forte. Com isso, a pessoa também acabava sofrendo de visão dupla e fraqueza severa. Os tremores e movimentos espasmódicos vinham logo em seguida, atravessando dores musculares intensas com a sensação de que os músculos estavam encurtando. Quando a resposta mental dos pacientes diminuía, então eles pioravam drasticamente. A psicose e alucinações tornavam o quadro assustador, mas isso era só um aviso de que o corpo logo iria se cansar e dormir… para sempre.

 

Em pouco tempo, milhares de pessoas estavam adormecendo no mundo todo.

 

Eles estão dormindo

 

A ciência médica ficou desnorteada e confusa com a epidemia que se alastrava, enquanto que a população entrou em histeria coletiva. As pessoas tinham medo de dormir, ingerindo altas doses de medicamentos para manter o corpo em atividade, gerando outros problemas e até mesmo morrendo por conta disso.

 

A sociedade desenvolveu métodos de gincanas que não abusassem das funções do corpo e outros tipos de atividades noturnas para se manter desperta. Não era incomum ver pessoas à janela de suas casas, conversando madrugada a dentro, ou estimulando que os filhos perambulassem pelas ruas com os amigos. Esse tipo de conduta desesperada não só culminou em mortes, como também em desavenças familiares e até agressões. As pessoas foram ficando cada vez mais exaustas e não havia nada que pudesse assegurá-las de que não morreriam simplesmente por dormir.

 

Os médicos lutavam para descobrir do que aquela fatal doença do sono se tratava. A partir de estudos e análises, eles tiveram alguns avanços. Foi notado que, embora algumas pessoas conseguissem retornar de seu sono, uma recuperação completa era uma raridade. A maioria dos afetados experimentavam efeitos tão nocivos da doença cerebral que ficavam com problemas de visão, dificuldades para deglutição, alterações de personalidade, psicose e até derrame facial permanentes.

 

Os que conseguiam sobreviver a esses traumas mais agressivos apresentavam os sintomas mais leves, como lentidão, tremores, problemas de fala e movimento muscular anormal, muito parecido com o Parkinson, como Von Economo mesmo já havia percebido. Esse parkinsonismo, no entanto, às vezes levava até um ano para aparecer em pacientes.

 

Sono epidêmico

 

Estima-se que a epidemia do sono matou 1 milhão de pessoas pelo mundo, deixando outras milhares de pessoas presas dentro de si mesmas, em estado catatônico ou recuperadas sob traumas permanentes. O número exato de pessoas que contraíram a encefalite letárgica é impreciso, uma vez que, no início, a doença não era de notificação obrigatória em todos os países, portanto muitos dados se perderam. Especula-se que cerca de 50% a 75% dos casos não foram informados.

 

O levantamento mais ambicioso da doença do sono foi conduzido pela Comissão Matheson para o Estudo da Encefalite Epidêmica. William Matheson era um rico empresário que foi diagnosticado com a doença em 1927, por isso ele fundou essa comissão para estudá-la e encontrar uma cura dentro de 2 anos. Mas isso não aconteceu. O refinanciamento dela em 1940, no entanto, ajudou esclarecer outras dúvidas. Alguns relatórios sugeriram que os judeus, indianos, filipinos e quem nasceu no Continente Africano possuíam uma predisposição para contrair a encefalite letárgica. A maior incidência estava relacionada também às grandes cidades e centros industriais do que às áreas rurais.

 

Nem depois de 100 anos de incansáveis pesquisas, a ciência médica ainda não conseguiu descobrir o que causa essa doença do sono, muito embora existam várias teorias. A maioria dos especialistas, porém, supõem que se trata de um fator ambiental (toxicológico), enquanto outros apontam para um fator infeccioso (viral ou bacteriano). Em estudo mais recente, uma teoria apontou para a hipótese de a doença estar atrelada à autoimunidade.

 

Em meados de 1928, da mesma maneira rápida como surgiu, a doença desapareceu, deixando apenas o seu triste resultado para trás e centenas de incógnitas.

 

Na década de 1960, o Dr. Oliver Sacks descobriu que o medicamento Levodopa poderia atenuar um pouco os sintomas da doença e até permitir que alguns pacientes em estado catatônico acordassem pela primeira vez em décadas. No entanto, assim como o médico escreveu em seu livro de memórias chamado Awakenings, essa medida se provou apenas temporária. Aos poucos, o organismo dos pacientes foi desenvolvendo uma tolerância ao medicamento, fazendo com que, na mesma medida de tempo, a consciência das pessoas voltasse a dormir novamente. Dessa vez, sem volta.

 

Fonte: Mega Curioso.


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