A depressão de Michael Hutchence, ex-vocalista da banda INXS, levou o músico ao suicídio em 1997. Enforcado com um cinto, ele foi encontrado morto em um quarto de hotel em Sydney, Austrália, aos 37 anos. O que poucos sabiam era que ele sofria de anosmia – a perda total do olfato –, condição adquirida após fraturar o crânio num acidente de trânsito cinco anos antes.

 

Para a psicóloga norte-americana Rachel Herz, autora do livro The Scent of Desire (“O cheiro do desejo”, em tradução livre), uma das causas da depressão e do suicídio de Hutchence foi a incapacidade de sentir cheiros.

 

Não é à toa que o olfato faz parte do sistema límbico do cérebro humano, aquele responsável pelas emoções. Um simples cheiro tem a capacidade de evocar memórias, despertar afeto ou aversão e aguçar a fome.

 

Apesar de sua importância, o sentido do olfato ainda é pouco valorizado – em pesquisa citada por Rachel no mesmo livro, ele foi eleito um dos atributos físicos que as pessoas menos se importariam de perder, empatado com o dedão do pé. Por que, afinal, não o levamos mais a sério?

 

Foi essa pergunta que motivou a cientista norueguesa Sissel Tolaas a iniciar uma longa jornada no estudo dos cheiros. Seu foco não são perfumes e fragrâncias, mas sim os aromas que nos cercam no dia a dia. O cheiro de meia suja e o de pão fresquinho ­saindo do forno são alguns dos quase 7 mil aromas naturais coletados por ela em quase 30 anos de estudo, hoje armazenados em frascos de alumínio etiquetados e dispostos em prateleiras em seu labora­tó­rio, no apartamento onde mora, em Berlim, Alemanha. Além dos aromas naturais, ela coleciona mais de 5,5 mil ingredientes moleculares que servem para reproduzir cheiros da vida real.

 

Sissel tem uma história de vida tão curiosa quanto sua carreira. Cresceu entre a Noruega e a Islândia, estudou na Polônia, na Rússia, nos Estados Unidos e na Inglaterra, mora na Alemanha desde 1990 e já percorreu o mundo todo em busca de referências olfativas. Formou-se em química, matemática, letras e artes visuais, em escolas de prestígio como Oxford e Princeton.

 

Apesar do currículo extenso, não sabia que carreira seguir. Aos 29 anos, depois de presenciar a queda do Muro de Berlim, em 1989, mudou-se para a capital alemã, onde suas pesquisas ganharam direcionamento. “Comecei a fazer experimentos químicos relacionados a elementos que não podem ser vistos nem tocados. Foi então que o olfato se tornou um tema de interesse”, conta.

 

Para lidar cientificamente com algo tão vital, ela precisou desenvolver uma metodologia própria, que incluía o desafio de livrar-se das memórias olfativas. “As pessoas tendem a sentir cheiros emocionalmente”, afirma Sissel. Foram necessários sete anos de treinamento para que ela conseguisse sentir aromas de forma racional e, enfim, concentrar-se nas composições químicas.

 

Enquanto uns leem jornal e outros praticam ioga, Sissel criou uma cerimônia matinal para apurar o olfato. “Todos os dias, vou ao meu laboratório e faço uma pequena sessão para provocar minhas narinas. Só depois começo a trabalhar. É apenas uma parte do meu dia, mas muda tudo em minha vida.”

 

Cheiro da morte

 

Sissel considera-se uma profissional inbetweener – em algum ponto entre todas as áreas que estudou em busca de respostas para suas utopias. “Como cientista, posso fazer muitos experimentos, usando ratos e os documentos certos. Já a criatividade me ajuda a ser subjetiva no encontro das respostas. Então, uso a arte para apresentar minha ciência”, diz ela, que já trabalhou para grandes marcas, como Adidas, Louis Vuitton e Ikea, e importantes instituições, como Harvard, Nasa e MIT, além de ter exposto em museus renomados, como o de Arte Moderna de Nova York (MoMa).

 

Mas foi no Museu de História Militar Alemã, em Dresden, que ela enfrentou um desafio inesquecível: pediram que recriasse o cheiro dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial. O resultado, uma mistura artificial de sangue e cadáver, foi tão chocante que a instituição decidiu não expor o aroma, e Sissel pela primeira vez admitiu sentir repulsa por um odor: o da morte.

 

Outro trabalho seu que merece destaque é o dicionário Nasalo, criado para descrever os aromas que ela coleciona no laboratório. Com regras linguísticas próprias, ele ajuda a dar nomes a cheiros como o de trânsito e o de lojas do McDonald’s.

 

Apesar de garantir que não há cheiros bons ou ruins, mas apenas aqueles interessantes ou não, ela revela ter quatro aromas preferidos: o cheiro de sua filha, Tara, aos dois, quatro, sete e 12 anos de idade. Sissel coleta o aroma da menina anual­mente desde o seu nascimento, há 18 anos. “É meu projeto contínuo, um arquivo da vida”, diz ela. “O cheiro do corpo de uma pessoa é tão único quanto sua impressão digital.”

 

Contra o que chama de perfumização do mundo, Sissel só usa cosmésticos sem aroma. Um dia, sua filha pediu para comprar desodorante, porque todo mundo usava na escola. “Respondi que talvez ela devesse descobrir seu próprio cheiro antes de sair cheirando igual a todo mundo”, conta. Nas paredes de seu escritório, um grande cartaz com o logotipo de um perfume luxuoso em um saco de lixo diz muito sobre o que a cientista pensa da indústria. “Temos o direito de conhecer o cheiro das coisas antes de tentar disfarçá-lo. Esterilizamos, higienizamos e desodorizamos tudo. Não é saudável. Por que não damos uma chance aos aromas?”

 

Tem cheiro de…

 

Cansada das metáforas usadas para descrever os aromas que sentia, Sissel Tolaas criou um léxico cheio de lógica e regras linguísticas. De A a Z, conheça algumas palavras do dicionário:

 

AFIISH > lojas africanas
BEESH > churrasco misto
CAA > trânsito
CIKIN > perfumes e sabonetes que cheiram ‘ok’, mas são descartáveis
CASCA > suor misturado com metal de carros
DUSBI > tijolo empoeirado
ENGEA > esportes
GIISH > dinheiro
HEFEE > trigo ou cerveja
HOZON > campo (zona rural)
ISJ > grama
IHKONKA > urina malcheirosa
JAMP > torta de maçã
KOOD > sorvete
KINKALAMIN > cheiro que surge do nada, de algum outro lugar, com o vento
LETTE > futebol em local molhado
MUKSUN > hortelã, salsa, tabaco e outras especiarias
MUKUN > legumes frescos
MMZEN > pão fresquinho de padaria
NIIS > flores naturais
OOR > limonada
PIKON > fezes caninas
REEN > árvore
RUSWAT > portão de ferro
SQUNGA > pés sujos
SHOOTH > McDonald’s
SKENN > couro
SMASA > areia
TARKEE > trem
TARR > asfalto
UNDEGRA > plataforma de metrô
VEBEESH > legumes grelhados
XKONKA > ovo podre
ZOUSH > ozônio

 

Fonte: Revista Galileu


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