Na corrida pela busca de um tratamento para a Covid-19, que já atinge milhões de pessoas no mundo, não demorou muito para que começassem a circular pela internet alegações de que a cannabis seria uma forte candidata entre as possíveis terapias para a doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). Mas a verdade é que não existem evidências científicas sobre os efeitos da planta para esse fim.

 

“Não há nenhum estudo, nem houve tempo para ser feito”, diz o neuropediatra Rubens Wajnsztejn, responsável pela área técnica da HempMeds Brasil. Quer dizer, ao menos por enquanto: uma empresa canadense, a Cannalogue, já pediu autorização das autoridades para realizar pesquisas e descobrir se a cannabis pode ter algum potencial de cura. No país vizinho, pesquisadores da Universidade de Miami querem documentar os efeitos da Covid-19 nos usuários de cannabis.

 

Existem diversas explicações para a cannabis ser apontada como um potencial tratamento. Uma das possibilidades, segundo o especialista, é que tenha havido um “curto circuito” de informações sobre a ação da cannabis como um antiviral. Existem algumas dezenas de estudos que sugerem que o canabidiol (CBD), uma das substâncias da cannabis, poderia frear a replicação de vírus. “Foi observado em tumores do sistema nervoso in vitro que [a cannabis] conseguiu bloquear a replicação da célula tumoral”, explica Wajnsztejn. “Segundo essa lógica, [os estudos] queriam checar se a cannabis poderia agir neste sentido [em vírus].” Nenhum deles, porém, é conclusivo o suficiente para justificar o uso de CBD no tratamento da nova doença que assola o planeta.

 

Outra hipótese está relacionada às evidências publicadas no periódico científico The Lancet de que pacientes que desenvolvem casos graves de Covid-19 podem ter uma síndrome de tempestade de citocinas. Essas moléculas mediam e regulam a resposta do sistema imunológico, “recrutando” as células imunológicas para agirem no local de infecção. Em alguns raros casos pode haver uma reação descontrolada das citocinas, que ativam células demais em um só lugar e causam danos. No pulmão, por exemplo, líquidos e células podem se acumular e obstruir as vias aéreas, provocando morte por asfixia. Os motivos exatos para isso ocorrer são desconhecidos, mas podem ter a ver com o encontro de um invasor novo e poderoso — tal qual o Sars-CoV-2.

 

De acordo com essa teoria, a cannabis seria uma opção de tratamento por sua capacidade imunossupressora, essa mais amplamente testada e conhecida: é a explicação pela qual a planta tem propriedades medicinais e tende a ser benéfica para pessoas com doenças autoimunes e inflamação crônica.

 

Caixinha de surpresas

 

Um dos estudos mais famosos e antigos sobre o tema foi feito na Universidade da Carolina do Sul, nos EUA. Os pesquisadores injetaram o principal ativo da cannabis, o tetrahidrocanabinol (THC), em ratos de laboratório, e viram que ele ativou os receptores canabinóides CB1 e CB2 nas células do sistema imunológico. Essa ativação mobilizou células mielóides supressoras, que diminuem a resposta da imunidade quando ela está descontrolada, de modo que ela volte aos níveis normais.

 

Outra pesquisa, essa feita no Japão e publicada no Journal of Neuroimmunology, identificou que os canabinóides podem modular tanto a secreção quanto a função das citocinas nas células imunológicas, podendo ser considerados uma forma de tratamento de doenças inflamatórias.

 

São justamente essas as premissas por trás da pesquisa da Cannalogue. Em um comunicado à imprensa, o CEO da empresa, Mohan Cooray, disse que, embora não estejam sugerindo que o conhecimento atual sobre a cannabis medicinal seja suficiente para considerá-la um modo de prevenção, tratamento ou cura para a Covid-19, “os canabinóides da planta têm propriedades imunomoduladoras naturais que absolutamente requerem investigação rápida, dada a pandemia atual.”

 

Por mais promissora que possa parecer, nada é tão simples. “O sistema imunológico de cada um é uma caixinha de surpresas”, diz Wajnsztejn. Além da falta de pesquisas, há o fato de que a eficácia, se confirmada, seria aplicável somente aos casos graves, para frear a tal tempestade de citocinas. Mas, principalmente, ela ignora outra tese que também tem sido disseminada por quem defende que a cannabis possa ser útil no tratamento da Covid-19, mas pelo motivo oposto: ela potencializa a atividade imunológica, e por isso seria indicada no combate à doença.

 

A lógica por trás desse rumor vem da descoberta de que a cannabis pode melhorar a imunidade de pessoas com HIV/Aids. Um dos principais estudos, feito em 2014, identificou que o THC aumenta a produção de células CD4 e CD8, as responsáveis por “lutar” contra doenças. Outro, publicado em 2012, identificou que canabinóides evitaram que o HIV infectasse células imunológicas e reduziu o número de células infectadas em 30% a 60%. No entanto, cada vírus é um vírus, e o que se aplica ao HIV pode não servir para o novo coronavírus.

 

Mercado imunizado

 

Apesar das incertezas sobre os efeitos da cannabis no sistema imunológico e de seu potencial para o tratamento da Covid-19, isso não significa que ela tem sido completamente ignorada neste momento. “[No caso de] Quem já utiliza a cannabis medicinal, é importante que dê continuidade no tratamento para manter o equilíbrio do metabolismo”, diz Wajnsztejn, referindo-se principalmente a pacientes com epilepsia refratária. “Não é pelo fato de ter a pandemia que o tratamento vá mudar.”

 

Em países com legalização do uso medicinal ou adulto, como Estados Unidos e Canadá, a venda de cannabis foi considerada parte de serviços essenciais. E mais: o mercado de cannabis legal floresceu durante a pandemia, com aumento de 10% nas vendas diárias nos EUA, segundo a Headset, uma agência de pesquisa de marketing de cannabis. “Não consigo enfatizar o suficiente o quão histórica essa mudança de tendência é”, escreveu a diretora de análises da Headset, Liz Connor.

 

Enquanto a maioria do setor de serviços demitiu em massa, vendedores de cannabis passaram a contratar e se reestruturar para atender à demanda, boa parte via delivery. Parte desse boom foi causado pelo medo inicial de pacientes e usuários de ficarem sem as substâncias, levando-os a estocar insumos. Mas houve também quem tenha recorrido à planta para aliviar alguns sintomas provocados pela incerteza da crise. “Observei aumento de ansiedade e depressão no confinamento, principalmente em quem já tinha [os transtornos]”, relata Wajnsztejn.

 

Em alguns casos, como de ansiedade refratária ou transtorno de pânico exacerbados pela situação, pode haver indicação para o uso de cannabis medicinal — sempre seguindo as orientações do Conselho Federal de Medicina (CFM) que já existiam antes da pandemia, conforme ressalta o especialista. “Não é qualquer pessoa que pode chegar e dizer ‘estou quarentenada, quero começar a usar cannabis”, explica.

 

Alguns cuidados em tempos de pandemia são importantes. Um deles é evitar a inalação justamente de fumaça de maconha e cigarro, por exemplo, visto que substâncias tóxicas podem irritar os pulmões e provocar problemas respiratórios. Nos EUA, o público parece ter se atentado a isso: o maior aumento nas vendas foram os produtos comestíveis, bebidas e flores, com queda em cigarros e cremes.

 

Nada isso se aplica à realidade brasileira, onde o único produto permitido é o CBD, comercializado na forma de óleo. Por aqui e no mundo todo, porém, enquanto o tratamento ou a cura para a nova doença não vem, o principal cuidado deve ser com a higiene, seja lavando as mãos, seja evitando o compartilhamento de objetos: talheres, copos, maquiagem e, claro, artigos fumáveis — não importa o tipo.

 

Fonte: Revista Galileu.


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