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Sua filha tem um comprometimento neurológico muito grave e provavelmente não irá andar nem falar”, ouviu do médico a roraimense Viviane Lima, então com 18 anos, logo após o parto de sua primogênita, em 1999. A pequena Ana Victória tinha microcefalia. Na época, esse tipo de diagnóstico ainda era raro e os poucos registros que existiam “eram assustadores”, lembra Viviane. Esperançosa, ela não se deixou abalar: teve outra menina, Maria Luiza, de 15 anos, também com microcefalia, e a caçula, de 11 anos, que, ao contrário das irmãs, não apresenta nenhuma deficiência.

 

Sua persistência trouxe frutos: hoje, Viviane vê a primogênita fazer história  como a primeira brasileira com microcefalia a ser contratada por uma agência de modelos. Aos 17 anos, Ana Victória surpreende diante das câmeras graças aos esforços da mãe, que a estimulou a superar suas limitações. “Eu não podia aceitar aquele diagnóstico”, diz Viviane, que acompanha os ensaios fotográficos, cuida das redes sociais da filha e ainda concede entrevistas em seu nome – Ana Victória tem dificuldades de falar.

 

“Nunca derramei uma lágrima”, afirma. “Preferi direcionar meus esforços para que ela pudesse evoluir, e o resultado veio rápido. Com um ano e meio, ela já andava”, conta orgulhosa. “Posso dizer tranquilamente que ela não tem nenhum tipo de limitação por causa da microcefalia. Ela é disléxica [distúrbio de aprendizagem], o que provocou um atraso cognitivo. Mas seu avanço diário é notável.”

 

O divisor de águas de sua evolução foi, sem dúvida, o primeiro passo dado em direção à carreira de modelo profissional. A convite da agência BM Model, de Manaus _ cidade onde mora a família_, que se dedica a revelar modelos com necessidades especiais, a adolescente fotografou há poucos meses para uma campanha contra o preconceito. “Nas primeira poses, percebi que ela havia se encontrado”, conta a mãe. “Ela não é muito expressiva e não demonstra muita coerência na fala. Por isso, me surpreendi.” Começava ali uma linda história de superação.

 

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Por meio das redes sociais, Viviane conseguiu, em apenas duas horas, a ajuda de fotógrafos, maquiadores e produtores de moda que viabilizaram o primeiro book fotográfico da filha. “Quase desmaiei com o resultado”, diz a mãe emocionada. “Foi quando percebi que o mundo da moda precisa trabalhar a questão da inclusão.”

 

Oficialmente agenciada, Ana Victória está pronta, à espera de contratos. “Mas será mesmo que vão abrir as portas para ela?”, questiona Viviane. “Minha filha veio ao mundo para quebrar os padrões. A história dela, aparentemente, já foi aceita. O que me deixa dúvidas é se realmente vão aceitá-la enquanto profissional.”

 

NA LUTA CONTRA O PRECONCEITO

Quando fecha os olhos, Viviane vê a primogênita cruzando passarelas nacionais e internacionais, estampando editoriais e campanhas de grandes marcas, quebrando barreiras no mundo inteiro. Sabe, porém, que a caminhada será árdua. “Tive que deixar os laudos do diagnóstico na agência, porque chegaram a desconfiar se ela tinha mesmo microcefalia. Algumas pessoas preferem acreditar que estou mentindo, do que confiar na capacidade dela de atuar como modelo.”

 

O preconceito, aliás, é um dos obstáculos que a família enfrenta diariamente para que a menina possa realizar seu sonho. A cada nova reportagem, comentários cruéis tomam conta das caixas de comentários e deixam dúvidas sobre sua real aceitação. “Já vi coisas do tipo: ‘essa menina não me representa’. As pessoas se revoltam por ela ter chegado onde chegou, dizem que é apenas parte do politicamente correto”, conta Viviane. “Posso garantir que isso tudo não chega até ela. Ana Victória se acha o máximo. Tem gente que diz que ela pode se frustrar, mas sua autoestima é enorme.”

 

Diante da epidemia do vírus da zika, responsável pelo aumento vertiginoso dos casos de microcefalia no País, a história de Ana Victória é um suspiro de esperança para toda uma geração que vem aí e vai precisar ver de perto uma mudança significativa não só no universo da moda, mas em todos os setores da sociedade. Dois dos maiores desejos da garota, por exemplo, são bem simples: ter um chapéu e usar óculos de sol, acessórios que, para ela, estão disponíveis apenas se feitos sob encomenda.

 

AMPARO É FUNDAMENTAL!

Engajada e certa de que o apoio é essencial para uma verdadeira mudança de cenário, Viviane criou em sua conta no WhatsApp o grupo “Mães de Anjos Unidas”, que já tem mais de mil participantes. São mulheres carentes de informações e amparo, algo que, segundo ela, deveria ser de responsabilidade do governo. “As famílias precisam de acompanhamento psicológico. O desespero delas, muitas vezes, ocorre por falta de conhecimento.”

 

Contrária aos projetos que defendem o direito ao aborto em casos de zika antes mesmo do diagnóstico de microcefalia, Viviane se diz “a favor da vida”. “Mas acredito que cada pessoa pode fazer do seu corpo o que bem entender.” Para ela, interromper a gravidez nunca foi uma opção, mesmo quando soube que sua segunda filha também tinha microcefalia. Assim como a irmã, ao nascer, os médicos disseram que Maria Luiza viveria apenas 24 horas. A menina não só sobreviveu, como hoje frequenta a escola _apesar de ter um atraso cognitivo maior que o da mais velha.

 

Assim como as outras, a terceira gravidez foi planejada e Viviane diz que em nenhum momento teve receio de que a caçula também tivesse microcefalia. A menina nasceu sem o diagnóstico das irmãs e sonha em ser médica para um dia cuidar delas. “Ela fica um pouco chateada quando nota que as pessoas tratam Maria e Ana com preconceito. É muito protetora.”

 

Viviane acredita que outras mulheres seguiriam com a gravidez se houvesse maior conscientização sobre o assunto e “amparo por parte do poder público”: “É muito difícil viver no mundo de hoje, mas espero que a história de Ana Victória, que a ajudou muito a amadurecer, seja um exemplo de superação para outras pessoas.”

 

Fonte: Revista Marie Claire 


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