Em 1953, a pedido de Samuel Weiner, editor de A Última Hora (um dos jornais mais importantes do país à época), Nelson Rodrigues escreveu A Mentira, publicado em capítulos – aquele que seria seu primeiro romance assinado sem o pseudônimo Suzana Flag. Esta história chega aos palcos paulistanos no espetáculo homônimo, com direção e adaptação de Inez Viana e encenação da carioca Cia OmondÉ.
O Sesc Ipiranga recebe a estreia com um elenco composto por André Senna, Denise Stutz, Elisa Barbosa, Inez Viana, Junior Dantas, Leonardo Bricio, Lucas Lacerda e Zé Wendell.
Na trama, desejos reprimidos dominam o cotidiano familiar quando verdades inconfessáveis vêm à tona. Lúcia é a caçula de uma família de quatro mulheres e um pai repressor, que vive na Zona Norte do Rio de Janeiro. Aos catorze anos ela sente um súbito mal-estar, que leva à descoberta da gravidez. A suspeita sobre quem seria o pai da criança é o motor de uma sequência de revelações, acontecimentos passados e desejos ocultos sob a aparente harmonia familiar. A Mentira contém todos os elementos posteriormente chamados de rodriguianos.
Os sete atores se revezam nas interpretações dos vários personagens da trama – inclusive no papel de narrador – formando um caleidoscópio de pontos de vistas diferentes. A encenação dinâmica estabelece um diálogo direto com a plateia e põe em questão o machismo, a misoginia e o aborto, temas de uma época e que continuam ecoando atualmente.
“A pergunta principal que ecoou durante meses em minha cabeça e nas dos integrantes da Cia OmondÉ foi: como montar um Nelson hoje, abordando esses pensamentos machistas?”, conta Inez Viana. A diretora e atriz continua: “As atrizes e atores que contam e vivem todos os personagens não se atêm em fazer trejeitos de seus sexos opostos, quando compõem os mesmos. Aliás, não fazem mimeses de gênero. Assim, a crítica se evidencia mais e o jogo se expande para além do elenco, incluindo o espectador e a representação dá lugar a questões essenciais”.
Com poucos elementos externos em cena, como um pano de chão, uma garrafa d’água, centenas de sandálias de dedo, um figurino atemporal e uma luz decisiva, a montagem nada convencional coloca a plateia desde o primeiro momento, como cúmplice do espetáculo.
“Durante os ensaios, confirmamos que ainda carregamos muitos preconceitos em relação à nossa postura, não só diante da condição da mulher hoje, mas da falta de entendimento sobre o que caracteriza a situação de abuso. E antes que alguém diga que estamos exagerando, peço que se coloque no lugar da outra e do outro. Só transformando a vida num grande espelho, a gente vai conseguir entender que o que vemos no outro está em nós e, consequentemente, nossas adolescentes poderão chegar à fase adulta optando por serem ou não mães”, conclui Inez.
Horários: Sextas e sábados, às 21h, domingos, às 18h