Às vezes, o amor é imenso como o mar, intenso como o vento, mais brilhante do que o sol. Um amor que invade e que não tarda a devorar todo ser que um dia se julgou imune a ele. E, no entanto, é só o amor, tão somente o amor. Um claro enigma, luz e sombra, uma palpável irrealidade que não tem como e nem por quê. O amor é matéria do sonho e da canção, como bem sabe a cantora e compositora baiana Andrea Ferrer. E “Inteira” é como ela se entrega nas cinco canções de seu novo EP. Corpo livre, sem medo, pronta para encharcar a alma de contentamento, Andrea se desnuda em seu primeiro trabalho integralmente autoral. “Precisava colocar para fora um pouco da minha essência e do meu romantismo. Eu era aquela criança que escrevia sobre amores platônicos, trágicos, e que aos poucos foi amenizando o amor no coração”, diz ela.

 

Com dois álbuns na bagagem (“Séculos”, de 2003, e “Andrea Ferrer”, de 2010), a cantora viveu um momento de luto e de recolhimento após a morte de seu diretor musical e arranjador, o baixista Luca Maciel. Mas, depois de muito procurar, encontrou em 2014 novo parceiro no pianista e tecladista Misael da Hora – que viria a ser também arranjador e produtor de “Inteira”. Com ele, Andrea montou o show intimista “Versos e reversos do amor” e o apresentou no Rio de Janeiro em espaços como o Beco das Garrafas. Ao repertório do mais deslavado romantismo (de Chico, Caetano, Lulu, Vinicius, entre outros mestres no assunto), ela entremeava textos de Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade. O espetáculo trouxe a inspiração para que ela enfim juntasse o Roberto Carlos e o Dorival Caymmi que tinha entranhados em si e voltasse a se empenhar na confecção de suas próprias e apaixonadas composições.

 

Um retiro na casa da família, na praia de Itaparica, foi providencial – alguns dos versos, a cantora literalmente escreveu na areia. “Foi um processo de busca da liberdade e do autoconhecimento”, conta ela, que em pouco tempo reuniu uma série de letras, as quais passou para os seus parceiros musicais. “Inteira”, no entanto, abre com a canção que ela fez sozinha ao longo dos anos, versos e melodia. Com toques contemporâneos de percussão eletrônica, “Amor sem fim” vai entre o tango (no acordeon de João Carlos Coutinho, em participação especial) e o blues, para revelar-se, enfim, um atemporal samba-canção. “Busquei te encontrar como um farol a me guiar”, canta Andrea, deixando escapar uma das várias imagens marítimas que permeiam as músicas do EP.

 

Três outras faixas de “Inteira”, ela fez com o paraibano Tadeu Mathias, compositor profissional (de canções para disco, teatro e publicidade) e ex-vocalista da banda de Elba Ramalho. Uma ingenuidade praieira e o doce toque de bandolim (de João Gaspar) conduzem “Te quero comigo do lado de cá”, música de sabor antigo, daquelas que deflagram reminiscências sem que se saiba bem a razão. Noutro departamento, o da Bahia carnavalesca e funky evocada no arranjo de Misael da Hora, eles se encontram em “Transbordando”, a trilha da libertação de Andrea: “Vou aonde eu queira me levar / vou com o vento, vou com o mar”. Por fim, ela e Tadeu retornam à ternura com “Me dá tua lua”, toada com refrão matador, que existe naquele universo de desmedida típico da mais popular música brasileira: “Te quero tanto, te quero assim, te quero todo, te quero em mim.”

 

O EP se completa com “Vem pra mim”, um sambolero com toque de Novos Baianos, feita por Andrea com a irmã, a também cantora Daniella Firpo, e o italiano Roberto Grignolio. Nos versos com fragrâncias de Aldir Blanc, encontra-se o relato um amor que saqueia e incendeia, sem poupar vítimas. “Quando o corpo de se expande / sonho rompe a medida / não queira que eu siga”, recomenda a cantora ao ouvinte, esse cúmplice da sua paixão. Acompanhada no disco pelo produtor e arranjador Misael (piano, teclado e programações) e por João Gaspar (violão de aço, guitarra e bandolim), Tuca Alves (violão de nylon, violão de aço e guitarra), Léo Guimarães (contrabaixo), Mafram (percussão) e Rodrigo Dias (bateria), Andrea Ferrer agora não tem mais o que esconder: está pronta para o mundo. Inteira, enfim.