Há no romance O MEU PÉ DE LARANJA LIMA, de José Mauro de Vasconcelos, uma dicotomia entre o sonho e a realidade, a inocência e a dura realidade da vida. O espetáculo conta a história de Zezé, um menino que refugia-se no sonho como uma possibilidade de sobrevivência. Como uma forma de seguir em frente, crescer e tornar-se adulto com a segurança de não perder-se da imaginação e da beleza. Não encontrando na família e nas pessoas a ternura e o afeto que necessita, Zezé entrega o seu amor às pequenas coisas, em especial a Minguinho, o seu Pé de Laranja Lima.
Então que a adaptação/direção, embora tenha a percepção de que o espetáculo deverá ser visto por um público de todas as idades, seguirá pelos caminhos dessa dicotomia. Ao mesmo tempo em que a realidade se manifesta, a procura pela fantasia deve equilibrar a cena.
O espetáculo fará um caminho seguro pelo universo do “realismo fantástico”, valorizando a beleza da literatura popular de José Mauro de Vasconcelos, dando relevo ao seu comentário esperançoso e buscando interação com o público a partir da voz de um menino, que em muitos aspectos é muito parecido com todos nós.
O MEU PÉ DE LARANJA LIMA é uma fantasia, mas, pode-se dizer com segurança que é uma “fantasia social”, porque não se desgruda nunca do rito de passagem, muitas vezes dolorido, que é a aventura de saltar da infância para a adolescência, misturando as necessidades práticas do dia a dia, com o mergulho no sonho e na imaginação que, futuramente, darão sustentação a grande viagem que é toda a construção de uma personalidade.
José Mauro de Vasconcelos equilibra em seu romance, o feio e o belo, com uma reflexão apaixonada. Ao mesmo tempo em que, com as palavras, tenta proteger seu personagem, entrega-lhe a doçura e a dor, como a consciência de que todas fazem parte da vida.
Os atores do espetáculo, como é necessário num teatro moderno e vibrante, fazem diversos personagens, num exercício de rodízio que valoriza o teatral e ajuda o público a refletir sobre a cena, ainda que a performance conduza-a cada vez mais para o conteúdo; e com o apoio de uma equipe técnica inspirada, a literatura de José Mauro de Vasconcelos ganha formas lúdicas e artísticas.
Como é do estilo e da consciência do diretor Edson Bueno e do Centro Cultural Boqueirão, encenar um grande autor é também homenageá-lo, ou seja, é procurar com a linguagem do teatro, dar voz à sua literatura, e ao mesmo tempo, à toda a literatura.
É preciso reafirmar junto às crianças e adolescentes, a importância da leitura e a transformação mágica, que ela pode fazer em suas consciências; além do poder de preparar-lhes para a vida.
A leitura ainda é o leme seguro para a construção da personalidade e o amor pela literatura e pelas artes deve fazer parte de toda manifestação artística que entenda esta função primordial.
O MEU PÉ DE LARANJA LIMA é uma grande e poderosa viagem pelo mundo da literatura, do teatro e da imaginação; e dá mais um passo no grande exercício que é dar ao teatro uma função social, artística e de paixão.