Conclusão publicada na Nature é resultado de um projeto que reúne mais de 300 cientistas e levou mais de uma década para ficar pronto

 

Um artigo publicado nesta quarta-feira (15) na Nature pode ajudar a resolver um mistério que intriga os cientistas há anos: por que existe mais matéria do que antimatéria no Universo? O estudo é o resultado do trabalho de dezenas de cientistas que trabalham no projeto Tokai to Kamioka (T2K), cujo objetivo é desvendar os mistérios que circundam uma partícula conhecida como neutrino.

 

O que é um neutrino?

 

De forma simplificada, um neutrino é uma partícula subatômica, como o elétron, por exemplo, que não tem carga carga magnética. Isso faz com que ele não seja repelido ou atraído por outras partículas presentes na natureza — o que torna suas interações com a matéria muito raras e praticamente indetectáveis.

 

“Vastas quantidades de neutrinos passam por nós todos os dias, mas não as sentimos porque os neutrinos quase nunca interagem com os átomos que compõem nosso corpo”, explicou Bruce Mellado, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, em um texto publicado no The Converstion em 2015.

 

Essas partículas são produzidas pelo Sol e por outras estrelas em três variedades (ou “sabores”, como apelidaram os cientistas): o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o neutrino do tau. Além disso, cada uma dessas partículas tem uma antipartícula equivalente — no caso, o antineutrino.

 

Como se não bastasse, essas partículas são como camaleões, pois podem mudar de tipo à medida que se aproximam da velocidade da luz. Ou seja, um neutrino de elétron que saiu do Sol, por exemplo, pode se transformar em um neutrino de tau antes de chegar à Terra.

 

O que causa essas alterações ainda é um mistério para os cientistas — e estudá-las foi exatamente o que fez a equipe do T2K. Mas, antes de falarmos da pesquisa em si, é essencial explicarmos teorias importantes sobre a existência da matéria e da antimatéria no Universo.

 

Matéria e Antimatéria

 

Uma das principais hipóteses sobre a origem do Universo diz que o Big Bang deveria ter criado quantidades iguais de matéria e antimatéria. Entretanto, como os especialistas já observaram, o Espaço é fundamentalmente feito de matéria — e explicar o que causou essa assimetria é um dos maiores desafios da física na atualidade.

 

Em 1967, o físico russo Andrei Sakharov propôs que um dos motivos responsáveis por essa diferença está no fato de que a simetria dos neutrinos não é perfeita, fazendo com que cada um exiba propriedades ligeiramente diferentes. Para ele, foi justamente essa variação que levou ao excesso de matéria no nosso Universo.

 

Ou seja, diferente do que ocorre na maioria dos fenômenos, nos quais as leis da física fornecem uma descrição simétrica do comportamento da matéria e da antimatéria, isso não acontece com os neutrinos. Dessa forma, a condição conhecida como “simetria de paridade de carga” (CP) não se aplica a essas partículas.

 

O novo experimento

 

Foi tentanto comprovar ou refutar a teoria de Sakharov que os cientistas do projeto T2K utilizaram os aparelhos do Complexo de Pesquisa do Acelerador de Prótons do Japão (J-PARC), em Tokai, para criar neutrinos (essas partículas são geradas quando prótons colidem em alta velocidade com um alvo feito de grafite. Para isso, eles utilizaram o tanque subterrâneo da instalação, que tem 295 quilômetros de distância, armazena 50 mil toneladas de água ultrapura e é revestido com 13 mil fototubos com sensores de luz.

 

Como os neutrinos têm uma chance extremamente pequena de interagir com a matéria e, portanto, são muito difíceis de serem detectados, o experimento levou anos para ser concluído. Segundo os cientistas, cerca de 10^20 interações foram geradas em uma década, período no qual 90 neutrinos e 15 antineutrinos foram detectados.

 

Usando esses dados, os físicos mediram a probabilidade de um neutrino oscilar entre os diferentes “sabores” durante sua jornada. A equipe realizou o mesmo experimento com antineutrinos e comparou os números. A ideia era que, se a matéria e antimatéria são perfeitamente simétricas, as probabilidades devem ser as mesmas.

 

Mas os especialistas observaram o oposto, como teorizou Sakharov. Os neutrinos de múon, por exemplo, se transformam em neutrinos de elétrons a uma taxa muito mais alta que os antineutrinos de múon se transformam em antineutrinos de elétrons.

 

“O que nosso resultado mostra é que temos mais de 95% de certeza de que os neutrinos e antineutrinos se comportam de maneira diferente. Isso é uma grande novidade por si só”, afirmou Patrick Dunne, do Imperial College London, em declaração. “Hoje, nosso resultado constata que, diferentemente de [testes feitos com] outras partículas, o resultado em neutrinos é compatível com muitas das teorias que explicam a origem da dominância de matéria no Universo.”

 

Encontrar essa violação da CP entre os neutrinos é uma dica de que fontes maiores de assimetria estavam em ação no Universo primitivo. Isso porque, apesar dessas partículas sozinhas serem muito pequenas para explicar o desequilíbrio entre matéria e antimatéria, elas poderiam estar ligadas a um quarto tipo de neutrino.

 

Como explicou Patricia Vahle, do College of William & Mary, nos Estados Unidos, que não participou da pesquisa, esse neutrino seria muito mais pesado e influente nas interações da matéria, o que teria mudado o equilíbrio do Universo. Segundo o que disse em entrevista à Science, detectar violações de PC entre neutrinos comuns ajudaria a reforçar essa hipótese.

 

Contrapontos

 

A descoberta, entretanto, não satisfaz o nível de confiança conhecido como 5-sigma (5σ), exigido pelos físicos de partículas para que o resultado de um experimento seja considerado. De acordo com a comunidade científica, o estudo é apenas 95% confiável, enquanto a porcentagem necessária para ser considerado confiável é de 99,7%.

 

Ainda assim, os cientistas acreditam que é importante publicar os resultados de seus experimentos conforme eles vão sendo apresentados. De acordo com eles, isso pode ajudar outros estudiosos ao redor do mundo e incentivar investimentos na ciência para a realização de projetos tão longos quanto o T2K.

 

“Quando começamos, sabíamos que ver sinais de diferenças entre neutrinos e antineutrinos dessa maneira era algo que poderia levar décadas, se é que algum dia poderiam ser vistos”, disse Yoshi Uchida, do Imperial College London. “Então, é quase como um sonho que nosso resultado esteja na capa da Nature esta semana.”

 

Fonte: Revista Galileu.


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