“Abacateiro / Acataremos teu ato / Nós também somos do mato / Como o pato e o leão.” Os clássicos versos de Gilberto Gil, da música Refazenda, surgiram no tempo em que, por aqui, o abacate era saboreado dentro de sua própria casca junto de colheradas de açúcar ou, no máximo, batido com leite. Naquela época, em meados dos anos 1970, as frondosas árvores, com até 20 metros de altura, também costumavam enfeitar os quintais brasileiros e faziam a alegria da molecada que se empoleirava entre os galhos.
Hoje, é mais raro ver abacateiros no fundo das casas. Em compensação, o fruto tem se multiplicado no hortifrúti e aparecido em tudo quanto é receita, passeando muito além da cozinha mexicana: vai em torradas, canapés, saladas, sanduíches, molhos, sobremesas… Seja no doce, seja no salgado, o fruto ganha espaço nos cardápios saudáveis, invade as redes sociais e conquista o paladar dos brasileiros.
Claro que a consistência cremosa explica parte da fama, mas é graças a um empurrãozinho dos estudos que ele figura entre os alimentos mais badalados atualmente. Seus benefícios contra o ganho de peso está entre os principais motivos dessa crescente popularidade. Não faltam experimentos atestando esse elo.
Um dos mais robustos, estampado no periódico Nutrients, vem da Universidade Loma Linda, nos Estados Unidos. Os pesquisadores avaliaram hábitos de 55 407 pessoas durante 11 anos. Entre as conclusões, notaram que os consumidores habituais do fruto tendiam a ganhar menos peso do que aqueles que não eram tão fãs.
Embora a nutricionista Maristela Strufaldi, do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes, elogie a magnitude de tal pesquisa, ela também chama a atenção para a idade dos participantes, já que a média era de 56 anos. “Há uma tendência de perda de massa magra entre os mais velhos, e o estudo não avaliou a composição corporal dessa população”, sinaliza a expert. Os próprios cientistas sugerem que novas análises precisam ser feitas, e com voluntários jovens.
Ainda que exista a necessidade de mais investigações, algo que é praxe na ciência, não faltam pistas sobre o que há por trás desse efeito muito bem-vindo em um mundo cada vez mais inflado. Uma das explicações tem tudo a ver com a alta concentração de gordura do alimento, que, inclusive, lhe garante a cremosidade. Quem diria! Afinal, trata-se justamente do nutriente mais calórico — oferece 9 calorias por grama, enquanto carboidrato e proteína somam 4 cada um.
Pois a união do montante gorduroso com grandes doses de fibras é a chave para o aumento da saciedade. “O esvaziamento gástrico costuma ser mais lento, o que favorece o controle do apetite”, explica Maristela. Ocorre, assim, toda uma modulação de hormônios envolvidos com a fome, brecando o movimento de abrir e fechar a geladeira o tempo inteiro atrás de comida.
Mas um aviso para quem já está pensando em viver só de abacate para manter a forma: não existe milagre. Só funciona dentro de um contexto baseado em equilíbrio, com o devido espaço para todos os grupos alimentares, sem monotonia e considerando o prazer à mesa.
A demanda de produção do abacate aqui e lá fora
Mundo: aparecemos entre os dez maiores produtores de abacate do planeta. No topo do ranking está o México, terra natal da fruta.
Brasil: os últimos dados apontam para uma produção de 213 041 toneladas distribuídas em uma área total de mais de 13 mil hectares.
Os maiores produtores no Brasil, em toneladas:
1º São Paulo: 121 216
2º Minas Gerais: 50 751
3º Paraná: 20 003
4º Espírito Santo: 4 992
5º Rio Grande do Sul: 4 520
As 10 mais: o abacate ocupa o sétimo lugar no grupo de frutas frescas produzidas no Brasil. Perde para laranja, banana, limão, uva, tangerina e manga.
Consumo: ainda que o fruto esteja em ascensão, o brasileiro não come mais de 1 quilo ao ano. Os maiores fãs estão em outros cantos da América: em terceiro lugar, Chile, Estados Unidos em segundo e México na liderança.
Os nutrientes do abacate
(Em 100 gramas do fruto)
Energia: 96 calorias
Proteínas: 1,2 g
Carboidratos: 6 g
Fibras: 6,3 g
Potássio: 206 mg
Magnésio: 15 mg
Gordura monoinsaturada: 4,3 g
O abacate no Brasil
Historiadores acreditam que o abacate chegou ao Brasil no século 16. “Relatos apontam os intercâmbios alimentares promovidos pelos europeus como os responsáveis pela disseminação do fruto, que é nativo do México e da América Central”, diz o engenheiro agrônomo Tadeu Graciolli Guimarães, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Cerrados.
Naquelas bandas, o abacateiro era árvore sagrada e entrava em antigos rituais indígenas de iniciação, como símbolo de virilidade. Foi descendo pelas colônias espanholas, conquistou todo o continente e, a partir daí, se espalhou pelo mundo. Conta-se até que dom João VI (1767-1826) chegou a plantar umas mudas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
“As variedades que conhecemos derivam de três raças, a mexicana, a guatemalense e a antilhana”, afirma o engenheiro agrônomo Adelson Francisco de Oliveira, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Os teores de gordura são reflexos da origem, porque mudam conforme a altitude e o clima.
Entre os descendentes mexicanos, caso do avocado (ou Hass), há maior quantidade de óleos. Já os tipos tropicais chamados de manteiga, como o fortuna, costumam ser um pouco mais aquosos. Em comum, todos apresentam excelente proporção de ácidos graxos — nome que os cientistas dão às gorduras. São ricos sobretudo na versão monoinsaturada, assim como o afamado azeite de oliva.
Os tipos de abacate populares por aqui
Breda: tem entre 400 e 600 gramas e exibe casca bem lustrosa. Acumula 12% de gorduras.
Fortuna: é um dos maiores, chegando a pesar até 1 quilo. Oferece quase 7% de óleos.
Geada: há quem o aponte como um tipo meio amargo. Reúne cerca de 3% de gorduras.
Avocado (hass): pequenino, com 150 a 200 gramas de peso, concentra mais de 20% de gordura.
Margarida: é redondo e de polpa fibrosa. Pesa até 800 gramas e fornece uns 10% de gordura.
Ouro Verde: com cerca de 8% de gordura, tem tamanho médio e casca de um verde intenso.
Quintal: grandão, chega a 900 gramas. Seu verde é o menos escuro da turma. Contém 10% de gordura.
Os benefícios do abacate para a saúde
Além da já mencionada habilidade de ampliar a sensação de saciedade, esse grupo engordurado é festejado por contribuir para a saúde cardiovascular.
“O consumo do abacate favorece o equilíbrio das taxas de colesterol“, justifica o nutrólogo e cientista de alimentos Edson Credidio, que pesquisou o fruto na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesse quesito, o médico observou excelentes resultados em uma experiência com a participação de 200 voluntários.
Na polpa cremosa há outros amigos do coração: antioxidantes, vitaminas e, ainda, uma turma conhecida como fitosteróis. Esse combo, inclusive, está entre os grandes benfeitores em um trabalho realizado pela nutricionista Cibele Furlan, na Unicamp.
Junto de cientistas da Universidade de Lund, na Suécia, a pesquisadora avaliou o impacto do consumo do azeite extraído da variedade Hass em um grupo de 13 adultos com sobrepeso. “Exames mostraram bons efeitos nos níveis de glicose, colesterol, triglicérides, além de marcadores de inflamações pelo corpo”, descreve.
É possível afirmar que a junção de compostos do óleo, com destaque para as gorduras monoinsaturadas e os fitosteróis, protege contra processos inflamatórios e resguarda as artérias. Há ainda indícios de seu papel na redução do risco de diabetes do tipo 2, já que combate a resistência à insulina, o hormônio que coloca o açúcar para dentro das células com a finalidade de gerar energia.
Como o abacate pode ser incluído nas refeições
“De sabor neutro, o azeite incrementa diversos pratos, especialmente na finalização”, sugere a chef de cozinha e química Conceição Trucom, parceira da Associação Brasileira de Produtores de Abacate, e que também aprecia o fruto na versão integral desde pequena. “Aprendi a gostar na infância, quando meus pais o ofereciam combinado com opções doces como a banana”, lembra.
Outro fã do abacate é o chef Renato Caleffi, do restaurante Le Manjue Organic, na capital paulista. “Como é muito versátil, ele aparece das mais variadas formas no meu dia a dia, desde o café da manhã até o jantar”, conta.
Aliás, comê-lo à noite tem lá suas vantagens. É que a fruta concentra glutationa, uma substância envolvida com o relaxamento. A dica é saboreá-lo na hora da ceia com um pouco de mel. “Ou meia hora antes de ir para a cama”, indica a nutricionista Maristela Strufaldi.
Só faz comprovar que mestre Gil está coberto de razão quando diz “Abacateiro, serás meu parceiro solitário nesse itinerário da leveza pelo ar”.
Dicas para acertar na escolha
A cor: para o avocado (Hass), tons quase negros indicam que o fruto está no ponto. Já os tropicais (mais comuns) exibem um verde intenso quando maduros.
O brilho: cascas muito luminosas sugerem que o abacate ainda não está bom para o consumo. Os maduros tendem a ser mais opacos.
O toque: tem que apalpar suavemente. O ideal é que o fruto não esteja mole nem duro demais. Molenga, é sinal de que passou do ponto. Duro, ainda não amadureceu.
A textura: nesse aspecto, atente para sutilezas em todas as partes do alimento. Opte pelos mais homogêneos, que amadurecem por inteiro.
O teste do cabo: sabe o talinho da extremidade? Tente tirá-lo com delicadeza. Se soltar fácil, o fruto está maduro. Quando muito preso, não force: é sinal de que não amadureceu.
A armazenagem: se o alimento não for consumido inteiro, leve o que sobrou à geladeira com o caroço e algumas gotas de limão. Isso atenua a oxidação e o escurecimento.
Fonte: Saúde Abril.
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