Ele comia quilos de carne crua, animais, velas e até grama. Nada nunca era o suficiente. Alguns registros históricos sugerem que essa fome – que se tornou um problema – teria começado com o seu pai e, assustadoramente, parece ter se tornado algo hereditário, muito embora não existam estudos que acusem a possibilidade disso acontecer.

 

Charles Domery nasceu na região da Polônia, em meados de 1778, e tinha mais oito irmãos, todos com um apetite igualmente insaciável. Devido à pobreza extrema na qual a família vivia, aos 13 anos de idade, Domery se alistou para se juntar ao exército prussiano durante a Guerra da Primeira Coalizão. No entanto, o batalhão sofria com a escassez de alimentos e o homem não conseguia comer direito, mesmo recebendo o triplo de rações que seus companheiros.

 

Incapaz de se saciar com o que estava recebendo e sentindo que morreria, Domery deliberadamente trocou de lado e entrou para o Exército Revolucionário Francês, tudo em prol da alimentação que eles poderiam lhe oferecer. Quando as rações começaram a acabar, os oficiais franceses passaram a alimentar Domery com até 5 kg de grama por dia.

 

Morrendo de fome

 

Estima-se que foi por volta dessa época que Charles Domery começou a devorar ratos. Contudo, havia um método no seu ataque. Ele não gostava de matar o animal antes de comê-lo, tinha que fazer isso com os próprios dentes enquanto o rato se debatia preso em sua mandíbula. Domery conseguia separar os ossos, cuspindo um por um depois de engolir a carne asquerosa do bicho.

 

E apesar de deglutir todo e qualquer tipo de ratazana, Domery não padecia de nenhuma doença. Ele não vomitava. Não passava mal. Sequer arrotava depois de estar com menos fome — pois nunca estava completamente saciado —, após ter mastigado 15 ou 20 ratos, um atrás do outro.

 

Em outubro de 1798, o Esquadrão Real da Marinha, sob o comando de Sir. John Borlase Warren, capturou os franceses na costa da Irlanda e todos os que estavam a bordo, incluindo Domery, foram confinados em um campo de prisioneiros próximo a Liverpoool. Os britânicos ficaram assustados e fascinados com o apetite incontrolável de Charles Domery e concordaram em alimentá-lo além da conta.

 

O homem chegou a receber a ração de até dez soldados por dia e ainda reclamava que era insuficiente. Nesse período, a ração diária de um soldado prisioneiro de guerra francês consistia em 740 gramas de pão, 230 gramas de legumes, 57 gramas de manteiga e 170 gramas de queijo. Morto de fome, Domery ingeriu até os remédios dos presos que se recusavam a tomá-los e mesmo assim não sofreu nenhum efeito colateral, tampouco teve overdoses pela quantidade. Ele comeu absolutamente todas as velas da prisão, deixando apenas o pavio, como se fosse a espinha dorsal de um dos ratos que ele apreciava.

 

À medida que os recursos foram se esgotando, uma nova fonte de sobrevivência surgiu diante da boca voraz de Domery: gatos. Assim como os ratos, os felinos se aproximavam das prisões por conta do lixo e acúmulo de sobras, por isso, rapidamente, se tornaram presas fáceis para os dentes do homem. Ele chegou a ingerir 174 gatos num período de um mês.

 

Domery, um estudo

 

Perplexos com o comportamento de Domery, os britânicos o entregaram aos cientistas para que ele fosse submetido aos mais variados experimentos para ver se descobriam de onde vinha todo aquele apetite. Os pesquisadores deram ao homem dezenas de quilos de carne por dia, várias garrafas de vinho e até dois quilos de velas. Domery comeu tudo, sem reclamar, e ainda implorou por mais, como se estivesse debochando da cara deles. O mais chocante, inclusive, era a maneira como o homem não ficava fadigado pela quantidade de comida. Ele simplesmente chegava a se levantar e dançar pela sua cela, satisfeito.

 

Ele chegou no apogeu de sua gula quando a perna de um marinheiro foi atingida pelo tiro de um canhão e os pesquisadores deram o membro decepado do soldado para que Domery o comesse por inteiro. O governo britânico se interessou pelo homem e médicos foram enviados à prisão para passarem um dia inteiro alimentando o prisioneiro com diferentes alimentos enquanto testavam oseus sinais vitais para ver se conseguiam descobrir qual era a origem da fome.

 

Às 4h de um dia, Domery foi acordado em sua cela e os médicos lhe ofereceram quase dois quilos de teta de vaca crus. Ele engoliu com emoção. Atônitos, os médicos voltaram às 9h30 e alimentaram o homem com quase três quilos de carne crua e 453 gramas de velas de sebo junto com uma garrafa de vinho para desafogá-lo. Mais uma vez, Domery consumiu tudo sem se queixar. Ele repetiu a mesma refeição cinco horas mais tarde e tampouco arrotou.

 

Os médicos e cientistas notaram que Domery tendia a se deitar por volta das 20h, porém a atividade de seu organismo não diminuía e ele passava as duas horas seguintes acordado, suando muito. Por volta das 22h, o homem finalmente adormecia e parava de suar. À 1h, todas as madrugadas, ele acordava e comia rapidamente tudo o que restava em sua cela — normalmente era o momento em que ele costumava engolir todas as velas do local. No entanto, quando não havia nada disponível, ele fumava e depois caía no sono novamente.

 

Às 5h ou 6h da matina, Domery começava a suar muito e só parava quando se levantava para dar início à sua rotina de devorar qualquer coisa que estivesse pela sua frente. Fora o suor, aparentemente não havia nada de errado no corpo do rapaz. O seu peso era perfeitamente normal e ele era mais saudável do que muitos homens.

 

A polifagia

 

Charles Domery tinha um problema, mas ninguém conseguia determinar qual era. Esse diagnóstico morreu ao longo de mais de 200 anos, por isso o seu caso permanece sem solução até hoje. Alguns sugeriram que essa ultrapolifagia, a condição caracterizada pelo aumento excessivo do apetite e a sensação permanente de fome, talvez acontecesse por conta de um quadro de hipertireoidismo, causado pela superprodução do hormônio da tireóide. A maioria concorda com essa teoria pelo fato de que Domery suava profusamente, tinha problemas durante o sono e parecia nunca ganhar peso. Eram os sintomas básicos da doença. Em contrapartida, o homem não apresentava os outros sintomas da condição, como ansiedade, batimentos cardíacos acelerados ou alterações de humor.

 

A única dúvida acerca da veracidade de toda a bizarra história do homem de apetite imparável é com relação ao seu nome. Charles Domey é claramente um nome inglês e era impossível que naquela época um nativo polonês (ou, no caso, da Prússia) fosse registrado dessa forma. Acredita-se, porém, que os cientistas e médicos o rebatizaram para que ficasse melhor para documentá-lo, além de ser algo relaticamente comum na época. De resto, tudo parece legítimo, visto que existem notas em museus até hoje sobre os estudos científicos dos médicos.

 

Por outro lado, não existem documentos sobre o que aconteceu com Charles Domery após os estudos realizados pelo povo britânico, tampouco se ele foi liberado posteriormente ou não. Seu caso voltou ao conhecimento público apenas em 1852, quando chamou atenção do escritor Charles Dickens, que escreveu que um homem como Domery jantando em público chamaria mais atenção do que alguém como ele, mastigando palavras nada substanciais.

 

Fonte: Mega Curioso


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