Fora de controle, a gengivite pode levar à perda dos dentes e a doenças em outros cantos do corpo. Conheça a prevenção, o diagnóstico e o tratamentoNão tem escapatória: nossa boca é um lugar cheio de bactérias. Isso é natural e, por si só, não representa um drama existencial. O problema começa quando relaxamos no cuidado com esse ambiente tão propício a micróbios. Deixar de lado a limpeza bucal tem consequências mais dolorosas e imediatas, como a cárie, e outras silenciosas mas não menos traumáticas, caso da gengivite, que, se não for controlada, pode trazer sintomas desagradáveis e comprometer toda a estrutura que dá suporte aos dentes.

 

“Temos bactérias benéficas e outras nem tanto. Com uma higiene oral deficiente, aquelas que não fazem bem à boca começam a se proliferar, irritam a gengiva e causam a inflamação que conhecemos como gengivite”, explica o dentista Sérgio Kahn, presidente da Sociedade Brasileira de Periodontologia (Sobrape).

 

A origem desse processo é algo que está sempre ocorrendo na cavidade bucal e buscamos conter a cada escovação: a placa bacteriana. Se você ficar em torno de uma semana negligenciando uma boa faxina com escova e fio dental, os bichos ganham terreno e o corpo reage detonando uma inflamação. Lá vem gengivite…

 

Ninguém nega que na correria diária não é tão fácil manter a boca como os dentistas pregam. E, não à toa, a gengivite é algo extremamente comum: provavelmente você já teve em algum momento da vida.

 

Um levantamento com 1 650 brasileiros, argentinos e chilenos encontrou uma incidência de 96,5%. Por aqui, uma nova revisão de estudos da Sobrape mostra que a doença, em seus diferentes níveis de gravidade, afeta pelo menos 97% da população!

 

Embora nem toda inflamação envolva sangramento na gengiva, esse é de longe o sintoma mais corriqueiro. A ponto de muita gente achar que é normal. E não é! Se o incêndio não for detido no local, pode espalhar e colocar a casa em risco. A gengivite se torna mais agressiva e pode evoluir para uma encrenca chamada periodontite. Aí o processo inflamatório e infeccioso toma conta do periodonto, tecido que sustenta os dentes.

 

É sério: tem gente que fica banguela por causa disso. E o perigo não se restringe à boca. Com o tempo e a falta de tratamento, as bactérias podem pegar carona na corrente sanguínea e zonear outras áreas do organismo.

 

Como a gengivite surge e as formas de prevenir
A formação da placa bacteriana é um fenômeno democrático: independe de idade ou sexo. “Todas as pessoas estão suscetíveis. Basta não escovar os dentes”, afirma o dentista Luís Otávio Cota, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Mas, de fato, existem situações que aumentam as chances de desenvolver a gengivite. Algumas mulheres ficam mais expostas devido à oscilação hormonal, que acentua a reação do corpo à inflamação. Não por menos, há episódios associados ao ciclo menstrual, à gravidez ou ao uso de anticoncepcionais.

 

A utilização de certos remédios também intensifica a formação da placa nos dentes. É o caso da nifedipina e da ciclosporina, empregadas para a hipertensão e após transplantes de órgãos, respectivamente. E, claro, até os genes estão envolvidos.

 

Um estudo feito pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), indica que crianças cujos pais têm doença periodontal estão mais propensas a apresentá-la também — o que exige um cuidado precoce.

 

E o que segura a placa e a inflamação? “O uso correto da escova e do fio dental é primordial e costuma ser suficiente para evitar o problema”, diz a dentista Alexandra Tavares Dias, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

 

A recomendação dos experts é de pelo menos três higienes diárias, que durem entre um e dois minutos, com movimentos verticais e circulares. Convém dar atenção especial à parte traseira dos dentes da frente, tanto os de cima quanto os de baixo. É aí onde mais se forma a placa bacteriana.

 

O fio dental é outro item indispensável ao arsenal antigengivite, pois ajuda a limpar os locais aos quais as cerdas da escova não conseguem chegar. Quanto ao creme dental, no mercado já existem opções focadas em atuar pelo bem da gengiva.

 

Os profissionais apontam, porém, que não há grande diferença entre as pastas em termos de efeito protetor. O mais importante é ficar esperto à concentração de fluoreto, que deve ser de no mínimo mil partes por milhão.

 

Em relação ao enxaguante bucal, há especialistas que endossam o uso de algumas fórmulas, desde que seja feito com regularidade — não adianta só fazer bochecho na balada ou no fim de semana. Na dúvida, fale com seu dentista.

 

Além dos sangramentos na gengiva, outros sinais importantes de que algo está errado são o aumento do volume gengival e, mais raramente, dores na região. Quando a inflamação se instala, ela geralmente fica restrita à própria gengiva, podendo variar o nível do inchaço ou mesmo a frequência das escapadas de sangue. Em boa parte dos casos, o estorvo não passa disso — ainda que mereça avaliação profissional.

 

O olhar do dentista faz a diferença, inclusive para evitar que a situação avance para uma periodontite, que pode se estender por ligamentos, osso… Essa evolução é ditada por predisposição genética, tabagismo e doenças como diabetes não controlado.

 

“Toda periodontite vem de uma gengivite, mas nem toda gengivite progride para periodontite”, resume Kahn. Como é difícil prever esse desfecho, o mais razoável é manter a rotina de cuidados e consultas periódicas ao dentista.

 

Os melhores aliados para não deixar a gengivite aparecer
Fio dental: deve ser passado ao redor da base de todos os dentes, movimentando o fio de um lado para o outro, após a escovação.

 

Pasta: o principal é a quantidade de fluoreto na composição: no mínimo mil partes por milhão (ppm).

 

Escova: deve ser macia ou extramacia. Use pelo menos três vezes ao dia — manhã, tarde e noite —, em sessões de um a dois minutos.

 

Enxaguante: são coadjuvantes na prevenção da gengivite. A frequência de uso e a fórmula dependem da indicação do dentista.

 

A diferença entre gengivite e periodontite
Em junho de 2019, entidades americanas e europeias publicaram uma nova classificação para os problemas periodontais. No documento, embora se reconheça que toda periodontite nasce de uma gengivite mal resolvida, elas são descritas como doenças separadas e até com origens distintas. No quadro mais grave, há participação de um grupo restrito de 14 espécies de bactérias. Digamos que são os piores elementos da quadrilha.

 

Debates científicos à parte, o que preocupa é o fato de a periodontite ser insidiosa. “Ela progride lentamente e de forma silenciosa”, pontua Alexandra.

 

Por provocar sintomas supostamente contornáveis e não impor dores, a chateação passa anos sem ser descoberta. É comum ver a detecção só acontecer em estágios avançados, quando os dentes começam a ficar bambos e projetados para fora. Pouco a pouco, as estruturas de suporte são destruídas de modo permanente.

 

“Ao contrário da gengivite, a periodontite não é um evento reversível. Ela deixa sequelas”, alerta Cota.

 

A doença tem diferentes níveis de gravidade, progressão e abrangência. Em quadros mais amenos, a perda óssea não chega a 0,25 milímetro por ano e mal se vê alteração nos dentes. Em situações da pesada, os dentes podem cair ou sair do lugar, o que gera impacto na mordida.

 

Sem falar no aspecto estético e social… Com o sorriso desfigurado e a autoestima em baixa, as pessoas encaram preconceito, sofrem e se escondem.

 

O que gengivite e periodontite causam no resto do corpo
Se o que foi exposto até aqui não o convenceu a tomar atitude em prol da sua boca, saiba que o combo gengivite/periodontite não causa desordem só na arcada dentária. Desde a metade dos anos 1990, pesquisadores vêm percebendo o impacto sistêmico dessas doenças pelo corpo.

 

Tanto a inflamação crônica como a intrusão de toxinas e bactérias na corrente sanguínea respondem pelos ataques a distância. “Já se mostraram associações entre doença periodontal e problemas cardiovasculares, bem como sua ligação com o nascimento de bebês de baixo peso e parto prematuro”, revela Cota.

 

Não para aí: estudiosos americanos observaram há pouco que uma das bactérias da periodontite se encontrava presente no cérebro de pessoas com Alzheimer. A equipe também desvendou que esses micróbios induziam traços característicos da degeneração cerebral em experimentos com camundongos.

 

Ainda que não se tenha comprovado uma relação de causa e efeito, é de supor que uma boca mal cuidada só tende a piorar as coisas para uma massa cinzenta já fragilizada. Aliás, é assim que os experts pedem para encararmos o papel da doença periodontal em outras jurisdições do organismo: mais um fator de risco capaz de complicar as coisas.

 

Diferentemente da gengivite, que pode ser contida mais facilmente, a periodontite demanda sempre intervenções em consultório, como raspagens para eliminar a placa bacteriana e outros detritos.

 

“Em casos avançados, parte-se para a cirurgia periodontal, com uma raspagem ainda mais profunda, e pode-se tentar algum procedimento para regenerar o tecido perdido”, conta Kahn. Embora haja tratamento, a periodontite não tem cura definitiva. O que se faz é estancar o avanço da doença.

 

Para realizar o diagnóstico, os dentistas adotam um método chamado sondagem periodontal. Nele, um aparelho mede o tamanho da bolsa periodontal, um aprofundamento do sulco gengival (a fenda entre a gengiva e o dente) que caracteriza a periodontite.

 

Para flagrar o processo ligeiro, não adianta botar a boca na frente do espelho em casa. É preciso visitar o dentista mesmo — e isso ganha importância se houver outros episódios na família.

 

“Se você já ouviu um parente próximo dizer algo como ‘Meus dentes ficaram moles e foram caindo’, procure um especialista”, aconselha Alexandra. Lembre-se: com gengivite e periodontite não se brinca… E seu sorriso depende desse cuidado.

 

O que os dentistas fazem para a boca voltar ao normal
Gengivite: além dos cuidados básicos no dia a dia, são indicadas limpezas profissionais, com aplicação de flúor. Em casos mais difíceis, pode-se recorrer a uma raspagem da placa bacteriana. Dependendo do contexto, alguns enxaguantes ou remédios podem ser receitados.

 

Periodontite: aqui, a raspagem no dentista precisa ser mais profunda: ela é dirigida também à superfície que fica abaixo da margem gengival. Nos casos mais avançados, é necessário realizar uma cirurgia, capaz de remover as bolsas periodontais, e investir em procedimentos para regenerar a estrutura local.

 

Fonte: Saúde Abril.


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