A rotina da paulista aposentada Maria Duque, ela confessa, não é das mais animadas. Às segundas-feiras, vai ao pilates para evitar as dores crônicas na coluna. De quarta, é dia de ir ao hortifruti e ao supermercado para as compras da semana. Os passeios, que se reservam aos finais de semana, são sempre para as casas dos filhos. Entretanto, até o cotidiano pacato da senhora de 80 anos foi abalado pelas medidas de restrição de contato social para conter o coronavírus. “As coisas mudaram de uma hora para outra. Não deu tempo da gente se preparar”, ela se queixa.

 

Desde o primeiro caso de coronavírus confirmado no Brasil, muito se fala na necessidade do isolamento para conter o contágio do vírus. Os dados de países que enfrentaram o problema antes ainda demonstraram uma maior taxa de letalidade associada aos grupos de risco, como idosos e doentes crônicos. Para eles, é ainda mais importante ficar em casa sem contato com quem vai e vem da rua por necessidade.

 

As dificuldades em gerir uma crise também pipocam nos microcosmos dos lares. Entre elas, o trabalho árduo de convencimento dos mais velhos de que, sim, é preciso aderir à quarentena voluntária como forma de auto-preservação. Mas, na prática, o que parece simples de ser colocado em palavras parece se transformar em outro idioma. Viralizaram memes na internet de avós dentro de cômodos trancados, mandando áudios dizendo que não estão nem aí e vão sair até respondendo que “não é da conta de ninguém” em entrevistas de TV.

 

A consultora de recursos humanos Fernanda Flora de Assunção e a mãe, Beatriz, ambas de São Paulo, sentiram na pele a resistência da avó, Maria de Lurdes, de 78 anos. “Ela é muito ativa, gosta de passear. Quando quer, vai fazer as unhas, passa a tarde na casa dos filhos comendo bolo sem depender de ninguém. Até que chegaram as orientações de isolamento”, relembra Fernanda. Beatriz tratou de ligar para Maria de Lurdes, garantindo que nada faltaria de mantimentos. “Quando minha mãe chegou com as compras, encontrou a casa vazia, porque ela estava no mercado.”

Papo vai, papo vem, Fernanda entendeu qual era a grande questão. “No caso dela, mesmo com tantas explicações, ela não compreendia a seriedade da questão. Precisei encontrar caminhos para explicar de uma maneira que se encaixasse na realidade dela. Neste caso, foi por um meio que ela sentisse medo para então ter vontade de se preservar. Contei que os hospitais não seriam suficientes e que ela poderia não receber o atendimento adequado. Cheguei até brincar que ela seria presa se saísse! Mas logo retomei, dizendo que não queria que ela ficasse assustada, mas soubesse que há risco. Dentro do que é possível, expliquei o que significa o achatamento da curva, que seria um bem por todos e que isso vai passar. Aí ela se aquietou em casa”, recorda com bom humor.

 

COM MEMÓRIA

Há um tanto de traço geracional na questão. Em parte, falamos dos boomers, uma geração que nasceu no pós-Guerra depois de muito sofrimento e vivenciou governos anti-democráticos. Para eles, que experimentaram a dor da liberdade cerceada e a delícia de recuperá-la, ficou marcado no inconsciente a máxima do “é proibido proibir”. Coloque ainda na conta a sucessão de perdas que vivemos ao longo da vida. Para muitos, a única reação à mudança pode ser exatamente essa recusa inicial.

 

“É comum ainda que os idosos não compreendam algumas novidades do mundo contemporâneo ou discordem delas. Então, diante da situação atual, fica mais difícil ainda reviver tais perdas ou mesmo ter de lidar com mais perdas. Jovens são os mais propensos a aceitar a situação ou se realocar com o objetivo de manter vida pessoal e profissional balanceadas, por exemplo”, explica Elaine di Sarno, psicóloga especializada em avaliação psicológica e neuropsicológica pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC).

 

Cada pessoa reage de um jeito, por isso também vale a pena ficar atento aos traços de personalidade no momento de lidar com a questão. “A maneira com que o idoso vai ser cuidado depende muito do seu estado de saúde. A teimosia dos idosos pode ser um sinal de carência, afinal, todos precisam de carinho e atenção. Paciência e não entrar em discussões é fundamental desgastar relacionamentos”, explica a especialista.

 

Segundo ela, no dia a dia, o ideal é manter certa normalidade. Refeições no horário de sempre e algum nível de atividade física regular são instrumentos de manejo de estresse muito importantes. E, se for para especificar um antídoto, ele seria a empatia. A verdade é que ninguém de nós está de fato preparado para experienciar a realidade que nós é imposta. O tempo de digestão dos fatos e a reação é variável, o mesmo vale para a capacidade de adaptação. “Ofereça recomendações claras sobre a prevenção e higienização, mas também repita quantas vezes for necessário, sempre de forma calma e respeitosa. Explique calmamente que a nossa vacina, hoje, é o isolamento, que todos estamos passando por esse momento juntos e que não está fácil mesmo”, finaliza Elaine.

 

Fonte: Claudia.


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