Com as mãos, o coração na boca, um nó no estômago e uma dor de cabeça bem no fundo dos olhos, fui até ela. “Respira fundo e pressiona o dedão do pé contra o chão para se distrair”, repetia para mim mesma. Na noite anterior, havia praticado a conversa em frente ao espelho do banheiro, pensando em respostas para as possíveis perguntas e reações que minha chefe poderia ter. E se ela me perguntasse o motivo pelo qual eu gostaria de tirar a folga a que eu tinha direito? E se dissesse não? E se gritasse? Eram muitos “e ses”.

 

E eles me acompanharam quando deitei na cama. E se toda vez que precisasse conversar com um chefe tivesse que passar por isso? Passei a noite confabulando sobre os cenários possíveis. Nenhum deles me preparou para o que ela diria. “Como assim você quer tirar a sua folga na segunda, quem você pensa que é?”, disse. “Em geral esse é o dia mais tranquilo, quando começamos a planejar a semana”, arrisquei. “Você não vai começar a chorar, vai?”, respondeu com desdém. Engolindo as lágrimas, concordei com tudo o que ela disse, fui ao banheiro e desabei.

 

Sabia que estava exagerando, que era só uma folga. Mas não conseguia me controlar. Secretamente, comecei a torcer para ser demitida. Seria muito mais fácil do que ter que explicar aos meus pais e aos meus amigos que eu havia pedido demissão do tal emprego dos sonhos. Mais fácil do que admitir que, ao contrário dos meus colegas, eu não lidava bem com a pressão. Ao mesmo tempo, o medo de fazer algo errado e ter que encarar um dos chefes tensionava meu pescoço e ombros e consumia meu apetite. Voltava para casa exausta, com dores de cabeça tão fortes que nenhum analgésico fazia efeito.

 

As ligações para os meus pais se tornaram diárias, cada vez mais chorosas, com reclamações que iam do trabalho às pessoas com quem eu morava, passando por observações sobre o quão difícil era se adaptar a São Paulo. Apesar de sentir que nada estava bem, só reconheci isso de fato quando, ao voltar de uma jornada de 12 horas e quase me envolver em um acidente, meu primeiro pensamento foi “que pena que nada aconteceu, assim não precisaria continuar indo trabalhar”. Ao finalmente buscar ajuda médica, fui diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada e depressão.

 

Não apenas entrei para a estatística como sou a personalização dela: mulheres jovens são o grupo mais afetado. Segundo os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) — de 2017, ano seguinte ao meu diagnóstico —, o Brasil é o 11º país mais ansioso. São 13,2 milhões de pessoas com algum transtorno de ansiedade. O primeiro pico geralmente ocorre a partir dos 20 anos, quando as responsabilidades da vida adulta começam a surgir, e permanece praticamente estável até os 60 anos, quando passa a diminuir. “A maioria dos transtornos tem início no fim da infância e na adolescência”, afirma o psiquiatra Marcio Bernik, coordenador do programa de ansiedade do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

 

Mas Bernik faz ressalvas em relação aos números da OMS: por se tratar de transtornos de diagnóstico complexo, há de se levar em conta, por exemplo, a metodologia de pesquisa (investigadores leigos costumam dar mais falsos positivos) e as diferenças culturais entre as populações. “É difícil comparar dados do Brasil com a Ásia, por exemplo. Em alguns países de lá não existe nem uma palavra para expressar tal sofrimento.” De todo modo, ele afirma que há, sim, evidências de aumento de ansiedade generalizada entre os jovens de áreas urbanas em países ricos ocidentais.

 

Fonte: Revista Galileu.


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