No dia 13 de março de 2019, dois ex-alunos, um de 17 e outro de 25 anos, invadiram uma escola estadual em Suzano (SP) e, armados com revólver, machado e coquetel molotov, mataram sete pessoas e feriram outras 11. A polícia ainda investigava o motivo do massacre quando o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, já apontava um culpado: “A nossa garotada é viciada em videogames violentos”. No dia seguinte, fãs de jogos eletrônicos protestaram: “Somos gamers, não assassinos”. Cinco meses depois, a tragédia se repetiu nos Estados Unidos: foram dois ataques com armas de fogo que terminaram com 31 mortos e 67 feridos. O presidente americano, Donald Trump, responsabilizou os “games horríveis e medonhos” pelos episódios.

 

A dependência de jogos eletrônicos e sua influência no dia a dia dos mais jovens não param de suscitar debates e controvérsias. Um relatório da Associação Americana de Psicologia, baseado em mais de 100 estudos, concluiu que jogos de guerra, luta e tiro podem estimular a agressividade. No entanto, não há evidências sólidas de que induzam alterações neurológicas e atos de violência.

Na Inglaterra, um estudo da Universidade de Oxford examinou os efeitos dos mais diferentes tipos de jogos e o tempo gasto à frente das telas no comportamento social e no desempenho acadêmico de 1 200 alunos de 12 a 15 anos. A conclusão: não há ligação entre games violentos e agressões físicas na vida real. “Apesar de algumas falas alarmantes e desinformadas, até hoje nenhuma pesquisa comprovou que eles estão por trás de condutas violentas entre crianças, jovens ou adultos”, afirma Marcelo Simão de Vasconcellos, coordenador do Polo de Jogos e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz.

 

A discussão ainda está longe de um game over. Atenta ao peso do tema na infância e adolescência, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou uma cartilha com orientações sobre o uso de aparelhos tecnológicos para médicos, pais e educadores. Além de falar dos limites, o guia aponta os principais problemas atrelados ao videogame. “Jogos online com cenas de tiroteios, mortes ou desastres não são apropriados em nenhuma faixa etária porque banalizam a violência”, adverte a pediatra Evelyn Eisenstein, da SBP.

 

Nem todo jogador de videogame é um compulsivo
O psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, concorda que não dá para brincar com o assunto. “Não é adequado submeter uma criança ou um adolescente a horas e horas de jogos violentos. Um dos efeitos disso é criar a noção de que o uso da violência é justificável na resolução de conflitos”, avalia. Se a participação dos games em episódios de agressividade ainda é alvo de polêmica e estudo, há cada vez mais consenso entre profissionais de saúde de que tempo demais com o joystick tende a virar um problema sério.

 

Nabuco já recebeu em seu consultório um adolescente de 17 anos levado à força pela mãe. Viciado em jogos eletrônicos, o rapaz chegou a passar 55 horas, ininterruptas, de frente para o videogame. Não parava sequer para ir ao banheiro. Fazia as necessidades ali mesmo, na roupa. “Com uma mão continuava a jogar e com a outra tirava a roupa suja e a arremessava pela janela”, relata o psicólogo. É um caso extremo de uma condição que não para de fazer vítimas: a obsessão por videogame, que passou a ser considerada um transtorno mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e foi incluída no manual Classificação Internacional de Doenças (CID).

 

“Os videogames são jogados por um número grande de crianças e adolescentes e, para a maioria deles, não são prejudiciais à saúde. No entanto, ao redor de 3% dos gamers passam tempo demais jogando e podem sofrer de uma compulsão nociva”, contextualiza o psiquiatra Shekhar Saxena, diretor do Departamento de Doenças Mentais da OMS.

 

A psicóloga Anna Lúcia Spear King, coordenadora do Instituto Delete — Uso Consciente de Tecnologias, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é favorável à nova classificação: “Os jogos eletrônicos foram feitos para viciar porque estimulam a liberação de uma substância química no cérebro, a dopamina, que causa uma sensação de prazer, euforia e recompensa”. Por esse motivo, ela faz questão de trazer um alerta aos pais: “Vocês são os responsáveis pela vida digital de seus filhos”.

 

Na opinião do psicólogo Alysson Massote Carvalho, doutor pela Universidade de São Paulo e coautor do artigo Videogame: É do Bem ou do Mal? Como Orientar os Pais, os responsáveis estão “terceirizando” a educação dos filhos. E isso, no médio e longo prazo, pode ser perigoso. “É mais fácil para um pai ou uma mãe entregar um videogame nas mãos do filho do que interagir com ele. Menos tecnologia e mais convivência: é disso que crianças e adolescentes precisam”, enfatiza.

 

Mas a decisão da OMS também recebe críticas. Para Vasconcellos, da Fiocruz, ela é “precipitada” e “equivocada”. “Muitos pais podem ser levados a acreditar que os filhos têm problemas de ‘vício’ e buscar tratamentos desnecessários. Isso pode causar uma ‘patologização’ indesejada e até prescrição indevida de remédios”, analisa. “Além disso, pessoas com histórico de abuso sexual ou quadro depressivo relataram o uso de games para aliviar seu sofrimento. Ao classificar a prática como transtorno, corre-se o risco de retirar delas um mecanismo de suporte e enfrentamento.”

 

Assim como nem todo jogo é nocivo — boa parte instiga a criatividade, a concentração e a memória —, nem todo gamer é compulsivo. Segundo a OMS, três padrões de comportamento ajudam a diagnosticar o dependente tecnológico.

 

O primeiro deles é o controle prejudicado. Por mais que tente, o indivíduo não sabe a hora de parar e, por vezes, é capaz de matar aula ou virar a noite só para jogar. O segundo é a prioridade crescente: o sujeito prefere isolar-se no quarto a viajar ou sair com os amigos.

 

O terceiro e último é que, por mais tóxico que o jogo seja à vida social e escolar, não há meio de se livrar dele. “Quanto antes os pais procurarem ajuda para os filhos, menores serão os prejuízos”, diz a psicóloga Evelise de Carvalho, do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas. Jogar videogame faz parte da vida. O que não dá é para viver jogando.

 

Na infância, menos é mais
Até os 2 anos, a Sociedade Brasileira de Pediatria prescreve tolerância zero para telas e joguinhos. “Nada de TV, videogame ou Galinha Pintadinha”, diz a médica Evelyn Eisenstein. De 2 a 5, uma hora por dia, no máximo, e com a supervisão de um adulto.

 

Dos 6 aos 11, duas horas, e olhe lá. “De preferência, programas educativos como Vila Sésamo ou Castelo Rá-Tim-Bum”, recomenda o psiquiatra Ricardo Krause, da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil. A partir dos 12, o limite são três horas. “Virar a noite? Em hipótese alguma”, frisa.

 

Fonte: Saúde Abril.


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